Ucrânia: o ponto de inflexão no eixo China-Rússia

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O conflito em curso na Ucrânia tem provocado mudanças profundas nas dinâmicas de poder global, sendo uma das mais significativas o estreitamento da parceria entre China e Rússia. É o que apresenta Niklas Swanström, diretor do Instituto de Política de Segurança e Desenvolvimento, com sede em Estocolmo, Suécia, em artigo recente publicado no site do United States Institute of Peace.

Embora essa relação tenha raízes históricas entre ambos os países, sua evolução recente representa uma ruptura com padrões anteriores de cooperação. O que antes era um relacionamento transacional e de conveniência está se transformando em um alinhamento estratégico mais duradouro, embora ainda distante de uma aliança militar formal. Esse desenvolvimento desafia suposições tradicionais do Ocidente sobre os limites da cooperação autoritária e pode sinalizar o surgimento de um novo modelo de parceria internacional.

A dimensão econômica: o alicerce da cooperação

A energia tornou-se o pilar da cooperação econômica entre China e Rússia, remodelando os mercados globais. A Rússia consolidou-se como principal fornecedora de energia da China, com exportações diárias de petróleo atingindo níveis recordes. Essa dinâmica é mutuamente vantajosa: a China obtém recursos energéticos a preços reduzidos, enquanto a Rússia sustenta suas receitas de exportação, apesar das sanções ocidentais. A construção de novas infraestruturas, como o gasoduto Poder da Sibéria 2, reflete o compromisso estratégico com essa parceria. Contudo, essa relação é desequilibrada, favorecendo a China, que agora se posiciona como o principal mercado energético de longo prazo da Rússia, em termos vantajosos para Pequim.

Ademais, os mecanismos financeiros alternativos avançaram significativamente desde o início do conflito. A transição para liquidações em yuan e rublo é mais do que uma mudança técnica; representa um passo concreto para criar um sistema financeiro paralelo menos vulnerável às sanções ocidentais. Bancos chineses desenvolveram métodos sofisticados para financiar o comércio enquanto evitam sanções secundárias, mas essa integração financeira ainda é limitada pelos controles de capital da China e pela convertibilidade restrita do yuan.

O comércio bilateral também se expandiu para além dos mercados de energia. Empresas chinesas substituíram sistematicamente firmas ocidentais no mercado russo, adquirindo ativos a preços baixos e estabelecendo posições dominantes em setores antes competitivos. Isso acelerou a transferência de tecnologia, especialmente em setores com potencial de uso duplo. Contudo, a dependência crescente da Rússia em importações chinesas contrasta com a diversificação dos mercados de exportação da China, criando uma relação comercial cada vez mais assimétrica.

Cooperação diplomática e desafios à governança ocidental

Na esfera diplomática, a estratégia chinesa em relação à Ucrânia envolve um engajamento multinível. Enquanto mantém uma neutralidade formal através de planos de paz e declarações públicas, a China oferece cobertura diplomática para a Rússia em fóruns internacionais e suporte de fato aos interesses russos. Essa abordagem permite que a China se posicione como mediadora potencial, ao mesmo tempo em que efetivamente apoia Moscou. Essa estratégia tem sido particularmente eficaz no Sul Global, onde muitos países compartilham o ceticismo chinês em relação às instituições internacionais dominadas pelo Ocidente.

China e Rússia têm trabalhado para desenvolver instituições e normas internacionais alternativas, desafiando os conceitos ocidentais de governança global. Isso inclui o fortalecimento de organizações como a Organização de Cooperação de Xangai e os BRICS, além da promoção de modelos alternativos de desenvolvimento através de iniciativas como a Nova Rota da Seda. No entanto, essa parceria revela tensões inerentes, já que as ambições globais da China nem sempre se alinham com as prioridades regionais da Rússia, especialmente na Ásia Central e no Ártico.

Cooperação militar e informações

No campo militar, a cooperação sino-russa revela uma calibração cuidadosa. Embora evite vendas diretas de armas, a China expandiu a exportação de tecnologias de uso duplo por meio de redes sofisticadas de intermediários, incluindo drones comerciais adaptados para uso militar, microeletrônicos e sistemas de navegação. Essa cooperação estende-se ao ciberespaço, com ambas as nações mantendo uma negação plausível sobre tais atividades.

A cooperação em informações atingiu um nível sem precedentes, desafiando a dominação ocidental no espaço midiático global. A integração de mídias tradicionais, plataformas digitais e operações de influência criou um ecossistema alternativo que molda narrativas globais e opinião pública. Entidades estatais como RT, Sputnik, CGTN e Xinhua operam de forma orquestrada, criando narrativas complementares que reforçam as posições geopolíticas de ambos os países. Essa parceria também inclui o desenvolvimento de plataformas digitais alternativas e algoritmos avançados para gerenciamento de conteúdo, promovendo narrativas aprovadas enquanto limitam pontos de vista contrários.

Implicações globais e perspectivas futuras

O aprofundamento da cooperação sino-russa, impulsionado pela guerra na Ucrânia, desafia fundamentalmente a ordem internacional pós-Guerra Fria e a resposta democrática a esse desenvolvimento. Sua parceria demonstra a viabilidade de modelos alternativos de cooperação internacional por estados não democráticos fora dos quadros ocidentais. Isso ressoa particularmente em países em desenvolvimento que buscam modelos alternativos.

No plano econômico, a cooperação entre China e Rússia acelera o desenvolvimento de sistemas financeiros alternativos, desafiando a dominação do dólar e o controle ocidental sobre a infraestrutura financeira global. Novos sistemas de pagamento, rotas comerciais e instrumentos financeiros estão emergindo, criando estruturas paralelas menos vulneráveis às sanções ocidentais. No entanto, essas iniciativas também enfrentam limitações, dado o alto grau de integração da China com as economias ocidentais.

No âmbito da segurança, a cooperação militar sino-russa apresenta desafios imediatos e de longo prazo ao planejamento estratégico ocidental. A combinação da experiência militar russa com as capacidades tecnológicas chinesas cria sinergias potenciais que podem impactar significativamente os desenvolvimentos militares futuros. Contudo, a relutância da China em comprometer seus interesses econômicos mais amplos com os objetivos militares russos revela os limites dessa cooperação.

A evolução dessa parceria exigiraá uma reavaliação fundamental das abordagens políticas ocidentais. Estratégias tradicionais baseadas em sanções e isolamento diplomático podem se tornar menos eficazes com o surgimento de estruturas econômicas e políticas alternativas. Respostas mais nuançadas devem reconhecer as limitações do poder ocidental, enquanto identificam potenciais pontos de pressão dentro do relacionamento sino-russo. É crucial prestar atenção às áreas em que os interesses chineses e russos divergem, bem como às preocupações de nações apanhadas entre esses centros de poder concorrentes.

O aprofundamento da parceria entre China e Rússia reflete tanto o potencial quanto as limitações da cooperação autoritária. Sua capacidade de sustentar e expandir essa relação, apesar da pressão ocidental, sugere a necessidade de novos quadros analíticos e abordagens políticas. No entanto, tensões internas, especialmente relacionadas ao poder relativo e às prioridades regionais concorrentes, criam vulnerabilidades que podem ser exploradas por uma política ocidental mais sofisticada.

Conteúdo original: https://www.usip.org/publications/2024/12/ukraine-inflection-point-china-russia-axis

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