Rodolfo Queiroz Laterza
1. Introdução
O desenvolvimento das hostilidades no conflito militar da Ucrânia no primeiro quadrimestre do ano de 2023 consolida a perspectiva de continuidade dos confrontos e batalhas entre a Federação Russa e a Ucrânia com apoio amplo e extenso da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, no qual não se verifica uma resolução do estado de beligerância vigente por meios diplomáticos.
Atualmente ambos países alocam suas estruturas produtivas e econômicas, ainda que em níveis distintos, para sustentarem um conflito prolongado, com mobilização total (no caso da Ucrânia) e parcial (no âmbito da Federação Russa) das suas sociedades.
As forças beligerantes no quadro atual buscam obter vantagens no teatro de operações para obterem incremento no moral e em uma futura capacidade de projeção de força que possa influenciar em concessões adversárias, embora uma vitória militar total de cada parte no conflito seja bastante improvável diante da extensão do perímetro operacional, recursos humanos e meios operacionais mobilizados, bem como fatores políticos internos subjacentes à existência do sistema político, institucional e soberania de cada país.
Este ensaio não buscará trazer certezas ou cenários plenamente seguros de como se desenvolverá o conflito até seu encerramento, mas irá trazer considerações sobre predições críveis sobre como podem se viabilizar o fim dos combates na guerra entre Rússia e Ucrânia – o maior conflito militar da Europa pós Segunda Guerra Mundial.
2. A solução atual pelo fator militar
Desde janeiro, aguarda – se uma ampla e concentrada ofensiva ucraniana para retomada de áreas controladas pelas forças russas. A extensão do perímetro operacional (em torno de 950 km) torna o leque de opções de ataques bastante variável, no qual as forças ucranianas buscarão explorar vulnerabilidades nas linhas de defesa russas para romper as formações defensivas de primeiro nível e avançar para determinada área taticamente favorável à formação de pontos de apoio e continuidade das atividades ofensivas.
O uso de táticas adequadas de armas combinadas, interoperabilidade das unidades de combate, barragens de artilharia massivas com ataques de precisão, persistência de uma vantagem qualitativa de consciência situacional e emprego eficiente de brigadas mecanizadas serão essenciais para que haja algum êxito operacional sem tantas perdas em equipamentos e pessoal.
Nesse contexto, o curso de uma ofensiva ucraniana será bastante mais adverso que aquela ocorrida nos eixos de Kherson e Kharkhiv em agosto – outubro, quando muito eficazmente as forças ucranianas exploraram a ausência de linhas defensivas e o baixo efetivo empregado pelas forças russas. Agora, as unidades de combate russas estruturaram uma rede multicamada de 800 km de extensão de complexas fortificações, tendo assumido uma posição de defesa ativa e foco na destruição máxima de meios operacionais ucranianos desdobrados para sua ofensiva. A ampliação de ataques russos com drones kamikaze Lancet e Geranium 2, aviação de ataque com bombas planadoras guiadas em alta altitude e longe do alcance dos sistemas de defesa aérea ucranianos obedece a esse planejamento.
Entretanto, é inviável crer que as Forças Armadas da Ucrânia – FAU, com 1 milhão e 200.000 combatentes mobilizados e milhares de sistemas de armas recebidos do Ocidente não implementem uma ofensiva em larga escala, ainda que com altas perdas. Desde fevereiro, a título exemplificativo, no eixo de Zaporizhzhia a partir de Orikhovo e Porogi, as forças ucranianas empreenderam 5 operações de reconhecimento avançado de força sondando as linhas de defesa russas, com pesadas baixas, o que expôs a dificuldade de executar o planejamento original de uma incursão rápida concentrada e baseada no uso predominante de meios móveis.
Entretanto, como expõe com realismo o professor Anthony H. Cordesman do CSIS, “a Ucrânia também pode ter que fazer concessões amargas. Ele pediu a devolução ou recuperação de todo o seu território e por reparações e julgamentos de crimes de guerra pelo que as reivindicações ucranianas em janeiro de 2023 já indicavam que poderiam exceder 60.000 casos. Nenhuma dessas demandas ucranianas pode provar ser prática, mesmo com um nível maciço de ajuda externa contínua à Ucrânia. Mesmo com essa ajuda, é muito possível que a Ucrânia não recupere grandes quantidades de seu território recém-ocupado no leste ou seja capaz de produzir algo como suas exportações industriais e de grãos anteriores enquanto a Rússia continuar lutando.”
No que tange às forças russas, vemos a mobilização de seu vasto complexo industrial – militar, a formação e treinamento de novas formações de combate e o uso cada vez mais intenso de novos meios e sistemas, aguardando os desdobramentos dos ataques ucranianos para uma possível contra ofensiva posterior.
Nesse escopo, fator militar é o componente maior e prioritário nos objetivos estratégicos de ambos países, o que explica a total ausência de discussões para acordos políticos que levem a um cessar – fogo ou resolução diplomática do conflito. Como também afirma Anthony H. Cordesman do CSIS, “a Rússia e a Ucrânia estão se preparando para outro grande período de conflito real, e não há rumores de que estejam buscando um resultado pacífico em termos que o outro lado possa aceitar. A Rússia parece empenhada em tomar mais parte do leste da Ucrânia, bem como em manter o território que conquistou em 2014. Também não está claro se Putin aceitará até mesmo um acordo ou cessar-fogo que lhe dê pelo menos alguma reivindicação de vitória, em vez da “grande Rússia” que era seu objetivo estratégico inicial, ou se ele está pronto para restaurar o tipo de relações econômicas e políticas que mantinha com outros estados europeus e antes da invasão.”
Qualquer perspectiva atual sobre cessar-fogo, acordos de paz preliminares que sejam e negociações mínimas – atualmente não são uma saída para o Kremlin ou Kiev. Ambos regimes políticos estão focados em perseguir objetivos militares de controle máximo territorial e esgotamento maior possível dos recursos militares inimigos, para se situarem em melhores circunstâncias e por conseguinte lograr maior capacidade de barganha política para resolução do conflito de acordo com seus interesses.
No momento, parece muito provável que a luta só termine quando ambos os lados estiverem tão exaustos que um lado obtenha ganhos militares suficientes para realmente uma vitória retórica ou substantiva ou ambos aceitem um cessar-fogo precário ou instável. Até mesmo uma declaração de vitória poderia na prática produzir uma realidade onde os resultados finais são altamente instáveis. Uma “vitória” russa deixaria a Rússia tão dividida da Europa que a Rússia enfrentaria um grande confronto contínuo com o Ocidente. Uma “vitória” ucraniana que não resulte em grandes convulsões políticas e mudanças nas metas russas ainda pode deixar a Ucrânia aleijada, colapsada e sem perspectivas de desenvolvimento estável como Estado-Nação, além de não recuperar totalmente o território que perdeu em 2014 e em 2022.
3. As dificuldades e impossibilidades da solução ideal para Rússia e OTAN-UCRANIA para o encerramento do conflito
Quando deflagrou sua operação militar em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia não logrou em uma ação inicial de demonstração de força a capitulação política do regime ucraniano e a obtenção de um acordo político favorável como se buscava nos fracassados acordos de Istambul, notadamente o reconhecimento da Crimeia como território russo, a discussão sobre o status político e territorial de Donbass e a neutralidade da Ucrânia perante a OTAN.
O emprego de efetivo extremamente insuficiente se mostrou irresponsável e fruto de péssimo planejamento operacional para uma ação militar de alta envergadura e perante o segundo maior Exército da Europa em efetivo e inventário de sistemas de armas (ainda que muitos deles herdados da máquina militar soviética, porém amplamente modernizados) , profundamente modernizado desde 2014, experimentado em combate nas hostilidades de Donbass desde aquele mesmo ano e com um efetivo de até 1 milhão e 200.000 combatentes mobilizados, chegando -se a uma desproporção seis vezes inferior em contingente mobilizado para o teatro de operações (incluindo – se aqui proxies como os combatentes das milícias separatistas de Donetsk e Luhansk bem como de empreiteiras militares privadas como o Grupo Wagner).
Além disso, ao assumir uma guerra de conquista e controle de território (notadamente em Donbass), a Rússia desconsiderou que uma área abrangente e poderosa área fortificada estava sendo construída em frente à linha de contato do conflito com as unidades separatistas de Donetsk e Luhansk . A escala das fortificações é impressionante e um mérito da engenharia ucraniana com apoio ocidental – surgiram cidades fortificadas subterrâneas como Soledar e Bakhmut, com defesas em várias camadas cobertas com metros de concreto armado, perfuradas por inúmeras passagens-caminhos que complicaram ainda mais a progressão das ofensivas e assaltos sucessivos russos.
Ademais, em vez de um exército desmoralizado e praticamente desorganizado, a Rússia lidou com um exército bem treinado, organizado e pesadamente armado com apoio de instrutores estrangeiros de acordo com os padrões doutrinários da OTAN, deparando- se com uma resistência ucraniana muito alta ainda que ao preço de baixas enormes.
E, finalmente, depois que a OTAN, liderada pelos americanos, viu que não havia derrota ucraniana nas primeiras semanas de conflito, mudou abruptamente de estratégia – começaram a fornecer armas de todos os tipos de todos os países da OTAN, muitas dezenas de bilhões de dólares em armas e munições. Além disso, o volume e a qualidade da inteligência por satélite e sistemas de vigilância, reconhecimento e sensoriamento aumentaram drasticamente, provendo uma consciência situacional qualitativa privilegiada para as Forças Armadas da Ucrânia. E a gestão das hostilidades tornou-se abertamente estabelecida pela OTAN com a Ucrânia em sinergia e planejamento.
Nesse estado de coisas, além de problemas militares iniciais diversos que, mesmo corrigidos ou atenuados no curso do conflito, prejudicaram a eficácia operacional outrora prevista por inúmeros analistas, é óbvio que a concepção russa de “operação militar especial” não tem chance de terminar em vitória militar total sem decretação de novas mobilizações de efetivo, implantação de um regime de funcionamento de estado de guerra do complexo industrial-militar e sacrifícios econômicos.
Com a assunção do General Surovikin como comandante das forças russas no teatro de operações da Ucrânia, importantes modificações táticas e estratégicas foram implementadas, como melhor coordenação e interoperabilidade das unidades de combate, melhoria da consciência situacional por sistemas ISR, melhor otimização de forças, ênfase no reagrupamento de unidades mesmo com retraimento para preservação de pessoal e estruturas militares, foco na destruição de recursos militares ucranianos e na estabilidade da linha de frente, resultando em melhorias operacionais para as forças russas, com a Rússia assumindo posição de defesa ativa e ações ofensivas pontuais em Donbass (principalmente na linha de Bakhmut – Soledar e Adveevka).
Se obtida uma vitória militar a partir de sucessivas destruições de unidades de combate ucranianas através de uma guerra de desgaste com emprego de sistemas de armas avançados como mísseis de longo alcance, barragens de artilharia massivas, drones kamikaze destruindo a infraestrutura logística e de munições, além de emprego sistemático das Forças Aeroespaciais – VKS, os seguintes cenários se apresentam:
- Uma vitória sem uma superioridade militar convincente e incapacitante das forças ucranianas irá postergar a retomada futura das hostilidades, uma vez que o que remanescer da Ucrânia como Estado – Nação será amplamente militarizado por países da OTAN, mantendo um estado de tensão constante e ameaça aos interesses geopolíticos da Federação Russa;
- A emergência de uma situação de “frozen conflict” será muito mal vista pela sociedade e círculos políticos nacionalistas russos, pois a abordagem de uma solução similar aos acordos de Minsk e Istambul (ambos sem efeito e vistos como retumbantes fracassos) irá gerar insatisfação e possível conflito interno na Rússia e Ucrânia – esta última, não aceitará qualquer solução que implique na concessão dos territórios perdidos pós 24/02/2022;
- Mesmo com uma vitória militar consolidadora de seus interesses e objetivos, a Federação Russa terá que lidar possivelmente com ataques de sabotagem a suas tropas e em seu território, bem como tensões contínuas em sua fronteira ocidental com a OTAN, de modo que a reestruturação de suas forças militares com aumento de efetivo e ampliação do complexo industrial -militar terá que ser perene e duradoura, com custos fiscais e econômicos crescentes e a serem absorvidos pela sociedade.
- Se as negociações forem realizadas sob o ditame russo, a Rada recém-eleita reconhecerá a Crimeia e Donbass no sentido amplo da palavra, fará todas as alterações necessárias na constituição do país, incluindo a restauração dos direitos e status da língua russa, recusa em ingressar na OTAN, o status neutro do país; mesmo extraditar grandes criminosos militares e políticos. A questão é quais concessões serão feitas ao Ocidente, o que irá gerar efeitos negativos em segmentos da sociedade russa que se mobilizaram e se sacrificaram em vidas, famílias e laços com ucranianos.
Portanto, depreende-se que o início de um conflito militar tem um planejamento determinado, porém como na maioria das vezes a história militar demonstra, o plano original não se sustenta ou subsiste às variáveis da realidade estimada, a sua finalização nos termos ideais da força beligerante se torna ainda mais problemática e até impossível de se concretizar como se deseja ou planeja.
4. Considerações finais
Como bem analisa, do Centro Internacional de Estudos Estratégicos – CSIS, “a Rússia cometeu grandes erros militares no início da guerra, e suas ofensivas iniciais foram um fracasso. Putin parece ter presumido que a Ucrânia fez apenas progressos limitados na melhoria de suas forças desde 2014 e que a Rússia poderia repetir seu sucesso na ocupação da Crimeia. Como observado anteriormente, no entanto, a Ucrânia está agora travando uma guerra diferente. A Ucrânia agora enfrenta uma massiva mobilização e esforço militar russo. As forças russas estão aprendendo com a amarga experiência, e Putin claramente ainda está preparado para travar uma guerra brutal de atrito no terreno.”
A visão ocidental do conflito, predominantemente, não admite uma solução que não implique em algum nível amplo de concessão e subjugação da Rússia, o que torna a perspectiva de solução mais complexa. A título exemplificativo, as opções previsíveis na perspectiva do establishment ocidental de como essa guerra poderia terminar foram apresentadas em um artigo provocativo e instigante no New York Post, escrito por Douglas Murray. A conclusão da guerra Rússia-Ucrânia em termos favoráveis à segurança e à política externa dos EUA deve ser equilibrada, como disse Murray, evitando provocar Putin a buscar uma vitória rápida “fazendo algo tão terrível. . . que a guerra está aterrorizada até parar.” Evitar essa opção inaceitável de Putin requer apoio garantido e sustentado das forças armadas ucranianas em um ritmo que garanta a vitória ucraniana. O ritmo de entrega de apoio também oferece aos diplomatas ucranianos e ocidentais as melhores opções para resolução diplomática.
Nesse sentido, é importante entender a concepção sobre a “Estratégia de Segurança Nacional de 2022” dos EUA em relação à Ucrânia, publicada em outubro, a qual é explícita ao delinear os elementos da estratégia norte-americana no conflito, que abrange sua abordagem perante a Rússia, a estabilidade da Europa e do mundo em geral sob sua linha geopolítica:
I) Em primeiro lugar, os Estados Unidos continuarão a apoiar a Ucrânia em sua luta contra a Federação Russa na retomada de território, ajudarão a Ucrânia a se recuperar economicamente e encorajarão sua integração regional com a União Europeia.
II) Em segundo lugar, os Estados Unidos defenderão cada centímetro do território da OTAN e continuarão a construir e aprofundar uma coalizão com aliados e parceiros para evitar que a Rússia cause mais danos à segurança, ao sistema político euro atlântico e às instituições europeias.
III) Os Estados Unidos irão deter e, conforme necessário, responder às ações russas que ameaçam os interesses centrais dos EUA;
IV) As forças armadas convencionais da Rússia terão que ser continuamente enfraquecidas, o que provavelmente aumentará a dependência de Moscou de armas nucleares em seu planejamento militar. Os Estados Unidos não permitirão que a Rússia, ou qualquer potência, atinja seus objetivos usando ou ameaçando usar armas nucleares. Na sua estratégia nacional, os EUA mantém o interesse em preservar a estabilidade estratégica e desenvolver uma infraestrutura de controle de armas mais expansiva, transparente e verificável para suceder o novo formato do Tratado de Redução de Armas Estratégicas – START e reconstruir os arranjos de segurança europeus que, devido às ações da Rússia, caíram em desuso.
V) Finalmente, os Estados Unidos, atingidos os quatro objetivos anteriores, manterão e desenvolverão modos pragmáticos de interação para lidar com questões nas quais lidar com a Rússia pode ser mutuamente benéfico.
Tais fundamentos explicam parte das razões na qual os EUA continuarão a sustentar o esforço militar da Ucrânia com provisão ampla de armas e meios operacionais necessários à continuidade do conflito, posto que é inadmissível no âmbito daquela abordagem estratégica não se lograr os objetivos respectivos delineados. Nesta concepção, o sucesso de qualquer estratégia dos EUA em relação à Ucrânia, Rússia e como essa guerra termina requer um elemento fundamental: a concretização de uma teoria da vitória, a qual se subsume em síntese em se atingir os objetivos da política dos EUA em um contexto de fim da guerra na Ucrânia em termos amplamente favoráveis aos Estados Unidos. Neste âmbito, a “vitória” na perspectiva norte -americana não acontece simplesmente, mas é o resultado de um trabalho árduo que vincula o sucesso tático e o efeito operacional à consecução de objetivos estratégicos e políticos delineados em sua Estratégia Nacional. E isso pressupõe o uso da força militar, fornecendo aos ucranianos os amplos e necessários para lutar contra a Federação Russa, bem como reforçando o destacamento de forças dos EUA para os países da OTAN, estabelecendo, portanto, as condições militares que sustentam o sucesso de sua política estratégica.
A Rússia já mobilizou e recrutou cerca de 300.000 soldados a partir da mobilização parcial decretada em setembro, alguns dos quais foram destacados rapidamente para a linha de frente e ajudaram a manter seus ganhos restantes e potencialmente obtiveram algumas vitórias limitadas em algumas áreas do teatro de operações. Como afirma o CSIS, estão sendo melhor equipados e treinados para uma ofensiva na primavera de 2023. Relatos de perdas de tanques e reservas limitadas de mísseis e munições se mostraram equivocados e a Ucrânia recebeu apenas quantidades limitadas do armamento que afirma precisar para êxitos decisivos no campo de batalha, enquanto que os EUA e a Europa têm seus próprios problemas com munição, estoques de armas e produção.
Para Anthony H. Cordesman em seu longo estudo pelo CSIS, a Ucrânia “agora deve se defender ativamente contra ataques de mísseis contínuos em sua economia e estrutura civil e contra uma Rússia que parece disposta a atacar sua população civil e travar o equivalente a uma guerra política e econômica. Se a Rússia continuar a expandir seu direcionamento e pressão militar sobre as capacidades de exportação da Ucrânia, pode conseguir destruir grande parte da capacidade restante da Ucrânia de manter uma economia funcional”, acrescentando que “Isso não significa que alguém possa descartar a possibilidade de que a Ucrânia possa obter grandes vitórias no campo de batalha neste inverno ou na primavera. No entanto, uma possibilidade dificilmente é uma probabilidade. A determinação sombria de Putin de continuar aumentando as forças e expandir os ataques a alvos civis torna qualquer forma verdadeira de vitória ucraniana uma proposição muito incerta…algumas declarações recentes que exageram os sucessos militares da Ucrânia a ponto de afirmar que o atual processo de ajuda militar permitirá à Ucrânia derrotar a Rússia são mais um caso em que vitórias militares limitadas recebem muita importância.”
Como bem fundamenta o estudo do CSIS, “a imagem militar da OTAN no mundo real não é muito diferente da Rússia. A Rússia, pelo menos, tem a vantagem de poder buscar uma abordagem consistente para forçar a modernização, a interoperabilidade, a adoção de tecnologias “emergentes e disruptivas”, operações conjuntas em todos os domínios e estratégias e táticas. A OTAN também precisa trabalhar em conjunto para criar forças conjuntas orientadas para missões adaptadas a determinadas regiões. Essas forças devem incluir defesas avançadas que não estejam vinculadas aos envelhecidos sistemas de armas soviéticos e que lidem com as crescentes forças de ataque de precisão da Rússia — muitas das quais podem carregar ogivas nucleares convencionais e táticas.”
Em termos práticos, nenhum dos resultados produziria uma paz estável ou uma forma de resolução de conflitos. Tal resultado encerraria a luta atual sem reduzir as tensões que levaram à invasão russa em primeiro lugar, sem restaurar qualquer nível mais amplo de estabilidade entre a Rússia, a Europa e os Estados Unidos. Também deixaria a OTAN e a Rússia em um estado de confronto militar como a Guerra Fria. Os Estados Unidos e a Europa conduziriam corridas armamentistas rivais e reforços militares com a Rússia enquanto estivessem em um estado de confronto político e econômico e competindo por influência em nível global.
Na hipótese de se considerar o progresso das batalhas em curso até o momento, onde ambos os lados concordariam em parar de lutar, mas permaneceriam implantados, historicamente esse tipo de cessação das hostilidades teria de ser garantido com a criação de algum tipo de zona de segurança ao longo da linha de cessar-fogo e, possivelmente, também na fronteira Bielorrússia-Ucrânia – se a guerra já não tivesse se expandido para incluir a Bielorrússia. Dado o provável nível de tensão mútua, pode ser necessária uma zona desmilitarizada (DMZ) e uma força de paz independente. Mesmo que tal zona fosse criada, ambos os lados também continuariam a construir suas capacidades militares e posições no limite de qualquer linha de cessar-fogo ou DMZ, mantendo um estado de tensão e potencial retomada das hostilidades.
Como ratificam estudos recentes da Rand Corporation e do CSIS, esse tipo de acordo instável funcionou com as duas Coreias em 1953, mas apenas à custa de estar constantemente à beira de outra guerra. Também faria pouco ou nada para estabilizar a segurança geral da Europa Ocidental e particularmente dos estados europeus ao longo da fronteira russa e à própria Rússia em sua concepção estratégica de defesa. Em vez disso, criaria o equivalente a uma “desordem baseada em regras”, em que os estados europeus encontraram sua própria solução para garantir sua posição em relação à Rússia em linhas diferentes, criando novas instabilidades políticas. Alguns estados europeus realizariam novos reforços militares e outros iriam implantar medidas para aliviar as tensões com a Rússia.
A opção de emprego de armas nucleares táticas não é adequada para nenhuma das forças beligerantes. Se a Rússia ou a OTAN usarem apenas armas nucleares táticas, dificilmente alguém obterá vantagem, pois o conflito desaparecerá ou irá se desdobrar sob a égide de uma guerra nuclear completa – uma solução de perda total mútua que não interessa às elites dirigentes dos países envolvidos.
Os detalhes de qualquer acordo real terão de ser determinados pelo curso dos combates em 2023 e anos posteriores, e tanto pela capacidade dos EUA e da Europa de alcançar uma acomodação política e econômica mais ampla com a Rússia quanto pela disposição da Ucrânia de chegar a um acordo de compromisso com a Rússia. No entanto, lançar as bases para um esforço sério para negociar a paz real oferece pelo menos alguma chance de mudar as posições russas e ucranianas ao longo do tempo, impedindo que o conflito se transforme em uma guerra mundial ou com enfrentamento direto entre mais países.
Imagem de Destaque: https://www.timesofisrael.com/a-storm-is-coming-ukrainian-brigade-gears-up-for-counteroffensive-against-russia/
5. Fontes consultadas:
https://www.csis.org/analysis/how-and-does-war-ukraine-end-need-grand-strategy
https://www.foreignaffairs.com/ukraine/russia-war-beyond-ukraines-offensive
https://news.harvard.edu/gazette/story/2023/02/how-does-ukraine-war-end-experts-say-2023-could-prove-decisive-dangerous/
How will the Russia-Ukraine war end?
https://www.rand.org/pubs/perspectives/PEA2510-1.html
https://mwi.usma.edu/how-will-the-war-end-thoughts-on-ukraine-russia-and-a-theory-of-victory/
https://velhogeneral.com.br/2023/05/02/para-onde-vai-a-contraofensiva-da-ucrania/
Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública
Boa tarde. Parece bastante óbvio que o investimento de alguns bilhões de dólares na Ucrânia não só nos permite inferir que a Federação Russa está levando vantagem na guerra como demonstra o esforço ocidental em sabotar qualquer negociação de paz. Dúvida: é real que as FAU já estão em sua quarta versão de efetivo(isto é,já houve tantas baixas que estão em sua quarta reformulação)? Ouvi isso numa entrevista do Pepe Escobar ao Canal 247
O site HMD agradece o comentário. Na visão do HMD esse é o terceiro exército. O primeiro exército foi destruído em junho/julho do ano passado, o segundo exército, que fez a ofensiva, foi derrotado no início do ano e com as unidades que sobraram, do primeiro e segundo exército, e com uma nova mobilização, que alguns dizem que é a oitava, outros dizem que é a nona ou décima, foi montado o exército atual, que tem muito mercenário e gente inexperiente.
Parabéns pelo trabalho! Tenho aprendido muito. Obrigado
O site HMD agradece o comentário e o elogio.