Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral¹ e Jornalista Alexandre Galante²
Introdução
Em 1978, Deng Xiaoping ascendeu ao poder na China, e logo deu início a uma série de reformas visando modernizar as estruturas econômicas chinesas. Estas reformas, conhecidas como as 4 Modernizações (agricultura, indústria, defesa, ciência e tecnologia) visando superar a estagnação econômica da Era Mao Tsé-Tung. A partir de então os chineses aceleram as suas taxas de crescimento econômico a 10%, por mais de vinte anos.
No século XXI, a China atingiu o status de segunda maior potência econômica mundial, com perspectivas de ultrapassar os EUA até aproxima década.
A partir da década de 1980, os chineses iniciaram um processo de modernização, acompanhando o processo que acontecia com a economia, substituindo equipamentos obsoletos por outros mais modernos, visando, em um primeiro momento, atingir a paridade tecnológica com as principais Forças Armadas do mundo, EUA, Rússia, Reino Unido, França, Japão e Coreia do Sul. Para tanto investiram muito na formação de engenheiros e cientistas, na criação de centros tecnológicos para absorver a tecnologia por tecnologia reversa ou simplesmente copiada. Atualmente conseguem fazer vários equipamentos e sistemas de armas similares com custo mais baixo e rendimento (em vários casos) superiores.
Os chineses apesar de investirem em sistemas de armas e equipamentos cada mais sofisticados tecnologicamente, não esqueceram o princípio da massa, ou seja, produzem todos os itens em grande quantidade. Até onde conseguimos obter informações, seus sistemas estão cada vez mais confiáveis e sendo aperfeiçoados para atingir a paridade de capacidades com os melhores sistemas Ocidentais.
Os chineses investiram muito nos últimos quarenta anos em Ciência & Tecnologia, fazendo tecnologia reversa dos equipamentos adquiridos, formando especialistas, adquirindo empresas Ocidentais de tecnologia ou simplesmente pirateando tudo o que era possível, esses procedimentos (nada éticos, diga-se de passagem, mas que todas as grandes potências fizeram ao longo da História) lhes permitiram saltar níveis tecnológicos.
No gráfico abaixo, demonstra o crescimento dos investimentos chineses e como, atualmente, estão muito próximos dos norte-americanos em paridade de poder de compra, quando descontados os gastos com as guerras do Iraque e Afeganistão. No momento atual, os EUA estão gastando muito recursos financeiros e materiais na Guerra da Ucrânia, constroem menos unidades navais que os chineses. Beijing se concentra em obter a superioridade no seu entorno estratégico.
Nesse ensaio, vamos abordar a Marinha do Exército de Libertação Popular (PLA Navy ou PLAN) ressaltando alguns aspectos para melhor nossos leitores acerca das capacidades desenvolvidas pelos chineses nos últimos anos. A Marinha é parte fundamental do escudo defensivo construído pelos chineses para dissuadir possíveis ameaças ou medidas de coerção externas no seu entorno estratégico. Além disso, a PLAN oferece ao governo capacidade de projeção de poder fora de seu entorno estratégico e vigilância sobre as suas principais linhas de comunicação marítima (ou sea lines of communication – SLOC)
A Marinha do Exército de Libertação Popular da China
A Marinha conta hoje (09/7/22), com os meios abaixo discriminados, mas por que é importante salientar esse detalhe da data? Porque os chineses estão lançando ao mar ao mar, novos meios navais quase que mensalmente….
Força de Superfície
Tipo | Quantidade |
Porta-aviões | 3 |
Porta-helicópteros | 2 |
Navios de Assalto Anfíbio | 8 |
Navio anfíbio transporte de blindados | 32 |
Navio anfíbio médio | 33 |
Contratorpedeiro | 51 |
Fragatas | 49 |
Corvetas | 70 |
Barco lança míssil | 109 |
Caça submarinos | 26 |
Canhoneiras | 17 |
Caça-minas | 36 |
Navios auxiliares | 232 |
Força de Submarinos
Tipo | Quantidade |
Submarino nuclear lançador de mísseis balísticos | 7 |
Submarino nuclear de ataque | 9 |
Submarino convencional | 40 |
Aviação Naval
Tipo | Quantidade |
Bombardeiro estratégico | 45 |
Caças | 313 |
Alerta e Controle Aéreo | 29 |
Reconhecimento | 8 |
Contra-medidas eletrônicas | 13 |
Patrulha marítima | 11 |
Avião Tanque | 4 |
Aviação de Transporte | 53 |
Helicópteros Guerra anti-submarino | 97 |
UCAV | 55 |
A PLAN tem uma força de combate de aproximadamente cento e oitenta navios de superfície, enquanto a que a Marinha dos EUA tem 293. O que impressiona é a velocidade da tonelagem lançada ao mar, com destaque para os porta-aviões, os porta-helicópteros Type 075, os cruzadores multipropósito Type 55 e os contratorpedeiros Type 052D. A PLA Navy é uma força muito atualizada, constituída de plataformas multifuncionais modernas, com sensores avançados e um amplo leque de mísseis antissatélite, antinavio, antiaéreo e antissubmarino, muitos de alcance além do horizonte, balísticos e de cruzeiro.
Os chineses estão trabalhando em aperfeiçoar suas capacidades de saturação de alvo, com os mísseis balísticos antinavio DF-26 e DF-21D fim de sobrecarregar os sistemas de combate Aegis dos navios norte-americanos. Esse sistema permite ao Centro de Comando & Controle de um navio de guerra, controlar os sistemas de armas, os radares de busca, tiro e vigilância, e os sonares, além dos sistemas de defesa antiaérea, antimíssil e antissubmarino. Em breve, a Marinha chinesa deve incluir no seu arsenal, mísseis hipersônicos, canhões laser e eletromagnético. Recentemente a China lançou ao mar o porta-aviões Type 003 dotado de catapultas eletromagnéticas.
O rápido crescimento da Marinha do Exército de Libertação Popular da China vai permitir a constituição de seis grupos de batalha, liderados por porta-aviões, sendo quatro deles nucleares, dotados das mais modernas tecnologias. Novos submarinos de mísseis balísticos estão sendo construídos (os Type 096 e 097) que serão dotados de um novo SLBM (submarine-launched ballistic missile).
Os porta-aviões, porta-helicópteros e os navios de assalto anfíbios permitirão a China projetar poder além do Mar da China, mas no Oceano Índico e no Pacífico, lançando uma força expedicionária apoiada por poderosas forças de superfície, logística e de inteligência.
Mahan e Corbett ficariam bastante impressionados com o ímpeto chinês e a importância que concederam ao Poder Marítimo.
Os Marines Chineses
O Fuzileiros navais chineses tem um efetivo de 40 mil homens. Estão organizados em brigadas de armas combinadas (blindados, artilharia, mísseis e defesa aérea, além de unidades logísticas) com três batalhões, cada batalhão com três companhias que contam com veículos anfíbios blindados; 1 batalhão aeromóvel, 1 batalhão de artilharia, 1 batalhão de defesa aérea, 1 batalhão de reconhecimento, 1 batalhão logístico e 1 batalhão de serviços. Existe uma brigada leve de operações especiais. Cada brigada tem capacidade expedicionária, de rápida resposta, assalto anfíbio e de atuar de forma independente. O efetivo de cada brigada é de 6 mil homens. Existem outras 4 brigadas de apoio de engenharia, guerra QBNR, engenharia e aviação.
O escudo de mísseis A2/AD (Anti-Access/Área Denial ou anti-acesso/negação de área)
A fim de erguer o seu escudo A2/AD, os chineses construíram uma série de bases aéreas no litoral, nas Ilhas Spratly e Paracel, em Fiery Cross Reff. Nestes locais, instalaram baterias de mísseis (antiaéreos, antimísseis e antinavios) e pistas de pouso, onde desdobraram meios de ataque, vigilância e alerta antecipado, alongando o seu perímetro defensivo e ampliando todos esses sistemas e meios ampliaram, significativamente, as capacidades chinesas de consciência situacional (marítima e aeroespacial) no seu entorno estratégico, que lhe permite desdobrar meios a fim de atuar até o seu perímetro de defesa avançado.
Esse escudo conta com porta-aviões, cruzadores e contratorpedeiros de mísseis, caças J-10 Vigorus Dragon, J-11 e J-16 (variantes do Su-27 Flanker), J-15 Flying Shark (variante do Su-33 Flanker, versão embarcada), J-20 Might Dragon (stealth), Su-27 Flanker, Su-30 Flanker-C/G/H e Su-35 Flanker-E.
No mapa abaixo, a localização das bases chinesas e norte-americanas, e o escudo A2/AD erguido por Beijing, no seu entorno estratégico.
O Colar de Pérolas e as linhas de Comunicação Marítima
O maior projeto geopolítico chinês, na atualidade, e a nova rota da Seda (Belt and Road Initiative – BRI), um plano de investimento da ordem de US$ 5 trilhões englobando 65 países, da Ásia Central, Oriente Médio, África e Europa. O objetivo principal é construir corredores e cadeias estruturas e estruturas de produção a fim de fornecer metais, minerais, proteínas, peças, acessórios, sobressalente, componentes diversos à economia chinesa e ao mesmo tempo ampliar os mercados consumidores de produtos chineses. A BRI vai criar e/ou aprofundar os vínculos econômicos entre as economias desses países e a China. Uma das consequências, que, com certeza, está nos cálculos de Beijing, é o estabelecimento de vínculos de subordinação e dependência desses países, em vários níveis, em relação à China.
No mapa acima mostra o projeto BRI, por ele podemos inferir a importância da PLAN na proteção das SLOC. Não podemos deixar de mencionar, os esforço de Beijing em instalar bases militares, muitas dotadas de recursos expedicionários, em vários pontos da BRI, como nos mostra o mapa abaixo.
Em 2014, foi noticiado que Beijing pretende instalar 18 bases navais no exterior, em diferentes regiões, tais como: Namíbia: Paquistão, Sri Lanka e Mynanmar no Oceano Índico norte; Djibouti, Iêmen, Omã, Quênia, Tanzânia e Moçambique, no oeste do Oceano Índico; e Seychelles e Madagascar no centro do Oceano Índico Sul.
Segundo relatos da mídia chinesa, “essas três linhas estratégicas irão aumentar ainda mais a eficácia da China a assumir a responsabilidade por manter a segurança das rotas marítimas internacionais, mantendo assim a estabilidade regional e mundial”.
Outras bases navais pretendidas pela China: Porto Chongjin (Coreia do Norte), Porto Moresby (Papua Nova Guiné), Porto Sihanoukville (Camboja), Porto Koh Lanta (Tailândia) Porto Sittwe (Myanmar), Porto Dhaka (Bangladesh), Porto Gwadar (Paquistão), Porto Hambantota (Sri Lanka), Maldivas, Seychelles, Porto Djibouti (Djibouti), Porto Lagos (Nigéria), Porto Mombasa (Quénia), Porto Dar es Salaam (Tanzânia) e Porto de Luanda (Angola).
Tamanha ambição tem provocado reações nos EUA (seu principal concorrente e que tem a China como uma ameaça a sua hegemonia) e seus aliados mais próximo Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão e Coreia do Sul. Além de temos de vizinhos como o Vietnã e a Índia.
Considerações parciais
Nos últimos quarenta anos o crescimento chinês vem acompanhado de um aumento das suas capacidades militares, sendo que desde o início desse século, por uma série de questões geopolíticas e geoeconômicas, os EUA, Taiwan e a BRI, Beijing acelerou o processo de expansão da Marinha Chinesa (PLAN) e da Força Aérea Chinesa (PLAAF) visando construir um escudo A2/AD a fim de dissuadir e reduzir as capacidades de coerção de rivais conhecidos e potenciais.
A China tem uma grande influência no seu entorno estratégico e tem buscado ampliar seu raio de influência pela economia, atualmente, com um sólido alicerce militar, que reforça constantemente.
A “operação especial” da Rússia na Ucrânia e a reação dos EUA e seus aliados ofereceu a China a oportunidade de atrair Moscou para sua órbita com desdobramentos ainda não totalmente claros, mas que via alterar a correlação de forças no Sistema Internacional.
A China é um país anfíbio, que durante muitos anos, não deu a devida importância as lides marítimas. Esse quadro mudou significativamente nos últimos 40 anos. Por quê? Talvez seja o fato de que os chineses passaram a ler Mahan e Corbett, e principalmente, desenvolveram políticas e estratégias navais baseadas em seus ensinamentos.
Na política internacional, nenhum Estado aplicando políticas de poder, agem sem reação. Os Estados Unidos, a potência hegemônica atual, já está reagindo e isso vamos abordar no próximo ensaio “O Império Contra-ataca: A Nova Estratégia de Contenção”.
Autores
1 – Mestre e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, professor-colaborador e do Programa de Pós-Graduação em História Militar Brasileira (PPGHMB – lato sensu), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e Editor-chefe do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br
2 – Jornalista especializado em assuntos militares e editor-chefe da revista e trilogia de sites Forças de Defesa. No final dos anos 80, foi tripulante da fragata Niterói (F40) da Marinha do Brasil, integrando a equipe de manobra do helicóptero Lynx embarcado. Nos anos 90, colaborou como articulista com as revistas Segurança & Defesa e Tecnologia & Defesa. No jornal O Globo, trabalhou na redação, de 1996 a 2008.
Fontes
https://www.naval.com.br/blog/2022/06/20/china-planeja-ter-seis-grupos-de-batalha-de-porta-avioes-ate-2035/
https://www.iasgyan.in/blogs/all-about-string-of-pearls
https://www.globalvillagespace.com/will-the-chinese-string-of-pearls-policy-allow-it-to-dominate-asia-and-should-we-be-worried/
https://www.deccanherald.com/content/657542/game-indian-ocean.html
https://www.orfonline.org/research/the-new-great-game-china-and-the-intense-maritime-contest-in-indo-pacific-region/ https://www.youtube.com/watch?v=PWsxou2eblY
https://en.wikipedia.org/wiki/String_of_Pearls_(Indian_Ocean
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-como-o-missil-hipersonico-circunda-a-terra-com-velocidade-acima-do-som/
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/china-esta-construindo-rede-de-silos-de-misseis-indicam-imagens-de-satelite/
https://www.naval.com.br/blog/2020/08/28/misseis-balisticos-antinavio-da-china-mostram-capacidade-de-ataque-de-saturacao/
https://thediplomat.com/2020/08/mahan-corbett-and-chinas-maritime-grand-strategy/
https://aterraeredonda.com.br/dilemas-e-desafios-da-nova-rota-da-seda/
https://bonifacio.net.br/a-china-e-a-nova-rota-da-seda/
https://br.sputniknews.com/20220628/otan-rotula-china-como-desafio-sistemico-em-nova-descricao-de-suas-diretrizes-politicas-diz-midia-23325197.html
https://www.globalfirepower.com/country-military-strength-detail.php?country_id=china
https://www.sipri.org/yearbook/2022
https://www.naval.com.br/blog/2021/03/08/eua-vao-investir-us-274-bilhoes-em-rede-de-misseis-anti-china-ao-longo-da-primeira-cadeia-de-ilhas/
https://www.naval.com.br/blog/2022/07/07/eua-precisam-de-postura-asiatica-mais-agil-para-atenuar-o-poder-da-china-diz-estudo/
https://www.naval.com.br/blog/2022/07/07/eua-instados-a-planejar-campanha-de-lancamento-de-minas-para-interromper-ataque-da-china-continental-a-taiwan/
https://www.naval.com.br/blog/2020/09/02/pentagono-china-tem-a-maior-marinha-do-mundo-e-esta-ficando-melhor/
https://www.naval.com.br/blog/2018/06/10/a-evolucao-da-marinha-chinesa-2009-a-2019/
Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.