Nemmersdorf: os Soviéticos e o massacre aos civis Alemães

de

Introdução

Durante o ano de 1941, a Alemanha inicia o ataque a URSS (União Soviética), através da Operação Barbarossa. No ano do início da Operação e no seguinte, as Forças Armadas alemãs conseguiram diversas vitórias e conquistas territoriais.

Essas conquistas da Alemanha duraram até o início de 1943, quando a URSS obteve as vitórias em Stalingrado e Kursky. Esse sucesso soviético serviu como um ponto de inflexão nos rumos do conflito no Leste Europeu.

No decorrer do ano de 1943, os soviéticos conseguiram conquistar territórios que haviam sido controlados pela Alemanha e com o passar do tempo, a URSS consegue sucessivas conquistar sobre as Forças Armadas Alemãs.

O Massacre de Nemmersdorf entra no contexto dessas vitórias soviéticas sobre a Alemanha, durante a chegada das tropas da URSS, ao povoado de Nemmersdorf, na Prússia Oriental. No dia 21 de Outubro de 1944, as tropas soviéticas acabaram estuprando e assassinando civis que viviam no local.

Localização do Povoado de Nemmersdorf, na Prússia Oriental
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/b/b0/Polish_Corridor.PNG/400px-Polish_Corridor.PNG

Conceito de Crimes de Guerra

O século XIX foi um dos marcos na discussão sobre a regulamentação de determinados atos cometidos durante uma Guerra, a Convenção de Genebra (1864), possibilitou o debate para uma proposta de regulamentação sobre o assunto.

Durante o século XX, o que se considerava um crime de guerra sofreu diversas alterações, depois de atos cometidos durantes as Guerras Mundiais. Somente durante a Segunda Guerra Mundial existiram diversos Massacres como: Massacre de Oradour-sur-Glane (praticado pelos Alemães sobre os Franceses), Massacre Babi Yar (praticado pelos Alemães sobre Judeus na atual Ucrânia), Massacre de Biscari (praticado pelos EUA contra soldados italianos e alemães), Massacre de Przyszowice (praticado pelos Soviéticos contra civis poloneses), Massacre de Katyn (praticado pelos Soviéticos contra Poloneses), Massacre de Malmedy (praticados pelos Alemães contra soldados americanos), e o Massacre de Nanquim, que será analisado nesse texto, (praticado pelos Japoneses sobre os Chineses), entre outros.

No decorrer da metade para o final do século XX, o Conceito de Crimes de Guerra teve diversas alterações sobre o que caracterizaria esses atos. No ano de 1998, foi criado o Estatuto de Roma que estabeleceu a Corte Penal Internacional (CPI), e definiu o que é Crime de Guerra no seu artigo 8º: “Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por crimes de guerra: a) As violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente: i) Homicídio doloso; ii) Tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas; iii) O ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde; iv) Destruição ou a apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária; v) O ato de compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga; vi) Privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um julgamento justo e imparcial; vii) Deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade; viii) Tomada de reféns”. (BRASIL, 2002).

Massacre

Durante a conquista soviética dos territórios ocupados pelos alemães durante a Operação Barbarossa, muitas pessoas utilizavam certas regiões para fugir dos conflitos no leste europeu. Uma dessas localidades era Nemmersdorf.

A fuga da população durante os avanços das Forças Armadas Soviéticas aconteciam devido ao receio desse povo em relação ao que poderiam sofrer como explica Beevor: “Mesmo antes dos acontecimentos em Nemmersdorf, muitas mulheres já temiam o que estava por vir. Apesar da ignorância alegada no pós-guerra, grande parte da população civil tinha uma boa ideia dos horrores cometidos no front oriental. À medida que o Exército Vermelho avançava pelo Reich, elas imaginavam que a vingança seria terrível. “Você sabe que os russos estão vindo mesmo na nossa direção”, escreveu uma jovem mãe em setembro, “por isso não vou esperar, prefiro matar as crianças e me suicidar.” (BEEVOR, 2015, p.673)

No dia 21 de outubro de 1944, a Terceira Frente Bielorrussa enviada pela Stavka (Alto-comando das Forças Armadas da União Soviética) atravessou a Ponte do Rio Angerapp, sob o comando do General Chernyakhovsky, e estabeleceu um controle sobre o local. As investidas de retomadas pelas forças da Alemanha foram rejeitadas. Entre as tentativas feitas pelos alemães, um ataque aéreo alemão, obrigaram os soviéticos a se protegerem em um abrigo que estava ocupados por cidadãos locais. Os ocupantes desse local, acabaram sendo assassinados e vítimas do massacre.

Mapa da expansão soviética sobre a região
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Durante a conquista pelos soviéticos, as ordens do alto comando mudaram e foram enviadas ordens para que houvesse o recuo e tomasse posições defensivas ao longo do Rio Rominte. Com a saída das forças da URSS, os alemães retomaram o controle e descobriram o massacre que havia acontecido, como indica Beevor: “Após o recuo soviético descobriu-se uma atrocidade. Mulheres e meninas da aldeia de Nemmersdorf haviam sido estupradas e mortas e os corpos de algumas vítimas supostamente foram crucificados em portas de estábulos”. (BEEVOR, 2015, p.673)

Crianças mortas durante massacre
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-atroz-massacre-de-nemmersdorf-quando-o-exercito-vermelho-matou-e-violentou-mulheres-e-criancas.phtml

Durante o período no qual os alemães mantiveram o controle da região e posteriormente a Segunda Guerra Mundial, aconteceram diversas investigações sobre o assunto. Um grande número de investigações foram conduzidas pela própria Alemanha e seus aliados, um número reduzido foi investigado por outros grupos externos.

A conclusão sobre o massacre foi sempre o mesmo, ele aconteceu e foi conduzido pelas Forças Soviéticas, isso não quer dizer que muitas dessas investigações feitas pela própria Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, fossem utilizadas como propaganda governamental, para que o povo se unisse contra o seu adversário (URSS), como elucida Beevor: “Goebbels rapidamente enviou fotógrafos. Tomado de indignação moral, não ia perder a oportunidade de demonstrar ao povo alemão por que devia lutar até o fim.” (BEEVOR, 2015, p.673).

Outro fato relevante que demonstra a importância dada ao evento pelo governo alemão foi explicada por Kershaw: “É interessante notar que o médico pessoal de Himmler, professor Gebhardt, abalou-se até Nemmersdorf um dia após a saída das tropas soviéticas, embora, presumivelmente, não fosse necessária a presença de alguém de seu nível hierárquico apenas para determinar a causa das mortes. A essa altura, ao que tudo indica, as principais lideranças nazistas já haviam atribuído a Nemmersdorf uma importância especial. Logo chegaram ao local funcionários do Departamento de Propaganda, acompanhando a retomada da área, afoitos para explorar a crueldade dos soviéticos como meio de incentivar os alemães a prosseguir na luta e que não hesitavam em exagerar na narrativa quando isso servia a seus propósitos.” (Kershaw, 2015, p.129).

Médico da Wehrmacht examina camponês morto durante o massacre
https://segundagrandeguerraww2.blogspot.com/2015/08/massacre-de-nemmersdorf.html

Dentro desse contexto no qual o massacre foi usado como propaganda política foram usados o Völkischer Beobachter (jornal do Partido Nazista) e a Deutsches Nachrichtenbüro (Agência Alemã de Notícias), responsável pela circulação de notícias dentro e fora do país.

Após a Segunda Guerra Mundial o massacre foi investigado em diversos momentos. Em 1954, um homem da Volkssturm, companhia responsável em ajudar na limpeza de Nemmersdorf “após o ataque declarou ter encontrado várias mulheres nuas presas pelas mãos às portas de um celeiro, em posição de crucifixo; uma mulher idosa cuja cabeça fora cortada em duas partes por um machado ou uma pá; e 72 mulheres e crianças selvagemente assassinadas pelo Exército Vermelho. Segundo o relato desse homem, todas as mulheres haviam sido estupradas. Os corpos, ele alegou, haviam sido exumados, e as violências sexuais, confirmadas por uma comissão internacional de médicos.” (Kershaw, 2015, p.128).

Afirmações como essa citada acima, aconteceram em diversos momentos em tribunais pós-Segunda Guerra Mundial e comissões de investigações.

O pesquisador Ian Kershaw, um dos grandes especialistas em Nazismo, afirma: “Naturalmente, a propaganda alemã fez tudo o que podia das atrocidades dos soviéticos. As cenas mais escabrosas podem ter sido inventadas. Por outro lado, as atrocidades não foram mera obra da propaganda, ou de alguma elaboração posterior… No entanto, detalhes do que aconteceu em Nemmersdorf permanecem obscuros. Desde o início, tornou-se difícil fazer a distinção entre fatos e propaganda. Certos depoimentos, que foram prestados alguns anos mais tarde e marcaram o episódio com imagens horríveis, são duvidosos.” (Kershaw, 2015, p.128-129).

Conclusão

O Massacre de Nemmersdorf foi uma das atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, fatos como esses aconteceram durante todo o período do conflito e por ambos os lados. Em alguns desses acontecimentos existem mais documentações do que em outros, como é o caso de Nemmersdorf.

Como citado anteriormente, mesmo que detalhes sobre os acontecimentos e o número de mortos sejam imprecisos, não existe dúvida sobre o fato ter ocorrido. O fato do governo alemão da época ter usado os acontecimentos como propaganda política para que os soldados e a população se unissem contra os seus adversários, somente provocou uma maior dificuldade nas investigações dos pesquisadores sobre o ocorrido.

Após o fim da URSS arquivos soviéticos foram abertos e contribuíram para a análise de outros documentos, porém, até hoje esse acontecimento como relata o pesquisador Ian Kershaw, ainda mantém alguns acontecimentos obscuros.

Imagem de Destaque:

Civis alemães assassinados em Nemmersdorf, outubro de 1944, Arquivo Federal Alemão

https://en.wikipedia.org/wiki/Nemmersdorf_massacre#/media/File:Bundesarchiv_Bild_101I-464-0383I-26,_Nemmersdorf_(Ostpreu%C3%9Fen),_ermordete_Deutsche.jpg

Bibliografia

– BEEVOR, Antony. A Segunda Guerra Mundial.1. ed. – Rio de Janeiro :Record, 2015.

– KERSHAW, Ian. O fim do Terceiro Reich: A Destruição da Alemanha e Hitler, 1944-1945. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

– Presidência da República do Brasil. Decreto nº 4388, de 25 de Setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm#:~:text=dos%20seus%20objetivos.-,2.,territ%C3%B3rio%20de%20qualquer%20outro%20Estado.&text=A%20compet%C3%AAncia%20do%20Tribunal%20restringir,comunidade%20internacional%20no%20seu%20conjunto>. Acessado: 10/04/2021.

Especialização em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Graduação em História (Bacharel e Licenciatura) pela Universidade Gama Filho (UGF), autor de Artigos em História Militar.

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