O Glorioso 1º de Junho

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Em 1 de junho de 1794, aconteceu a Batalha de Ushant, também conhecida como o “Glorioso 1º de junho”, na guerra da 1ª Coalizão, quando os 25 navios de linha, 7 fragatas, 2 canhoneiras e 1 chalupa de guerra, sob o comando do almirante Lord Richard Howe derrotaram os 26 navios de linha, 5 fragatas e 2 corvetas sob o comando do contra-almirante Louis Villaret-Joyeuse.

A batalha, foi a mais importante de uma campanha que cruzou o Golfo da Biscaia no mês anterior, na qual ambos os lados capturaram vários navios mercantes e de guerra menores e se envolveram em duas ações parciais, mas inconclusivas. A Esquadra do Canal Britânica sob o comando do Almirante Lord Howe tentou impedir a passagem de um importante comboio de grãos francês dos Estados Unidos, que era protegido pela Esquadra do Atlântico Francesa, comandada pelo Contra-Almirante Villaret-Joyeuse. As duas forças entraram em confronto no Oceano Atlântico, cerca de 400 milhas náuticas (700 km) a oeste da ilha francesa de Ushant em 1 de junho de 1794.

Em 1794, a Marinha britânica já era a melhor mundo. No entanto existiam vários problemas, uma parte significativa dos membros das tripulações britânicas (e das francesas também) eram recrutados à força (press-ganging), o que levava à indisciplina e há um treinamento deficiente. Os oficiais eram bons marinheiros e combatentes, mas arrogantes e a disciplina era mantida com base na violência. A Marinha britânica se destacava pela superioridade nas lides marinheiras, pela artilharia mais rápida e precisa, na liderança e na conduta de combate. A Marinha francesa sofreu muito no durante o regime do Terror. Muitos marinheiros e oficiais experientes foram executados ou demitidos. Os capitães dos navios eram oficiais subalternos, comerciantes, amigos políticos. Os navios franceses eram maiores e mais fortemente armados. A turbulência política foi uma das causas da colheitas fracassadas, que levaram à escassez de provisões. As tripulações muitas vezes estavam prestes a se amotinar devido as condições precárias. Devido ao bloqueio naval britânicas, os navios ficavam muito tempo ancorados e com isso a proeficiência naval caiu muito em relação aos britânicos.

No início de 1794, a Grã-Bretanha enviou sua Marinha para assediar o comércio marítimo e bloquear os portos franceses. A ideia inicial não era forçar uma batalha decisiva.

Na França, ocorreram várias colheitas fracassadas que ameaçavam o país com fome. Villaret foi enviado para escoltar um comboio de grãos dos Estados Unidos para aliviar a fome.

Villaret deixou a Virginia, em 2 de abril. Howe navegou para interceptá-lo. Ele encontrou Villaret em 25 de maio. Em 28 de maio, ele atacou o navio mais recuado, o Révolutionnaire, de 110 canhões. Ela lutou contra 6 navios britânicos e conseguiu escapar No entanto, o HMS Caesar, de 80 canhões, ignorou os sinais de Howe e seguiu em frente como se estivesse na linha, quando era para engajar o inimigo mais próximo. O resultado dessa falta de coordenação foi uma luta inconclusiva, que danificou fortemente ambas as esquadras.

Logo em seguida um nevoeiro espesso de 30/31 de maio, interrompeu os combates. O nevoeiro se dissipou em 1º de junho. Às 05:00, Villaret quase escapou. Howe usou o vento favorável para encurtar a distância. Às 08:12, a esquadra britânica estava a 4 milhas de distância. Ambos os lados formaram linha de batalha. A ação começou às 09:24.

Howe ordenou que seus navios virassem e navegassem à direita na linha de Villaret. Howe desafiou a convenção naval ordenando que sua frota se voltasse para os franceses e que cada um de seus navios atacasse e enfrentasse seu oponente imediato. Essa ordem inesperada não foi compreendida por todos os seus capitães e, como resultado, seu ataque foi mais fragmentado do que ele pretendia. A ideia era cortar a linha de batalha e varrer pelo fogo os navios de Villaret. Cada navio quebraria a linha individualmente. Howe confiou nas habilidades de seus capitães e tripulações. Após esse engajamento, os navios britânicos deveriam tomar a linha no sotavento de Villaret, cortando sua retirada a favor do vento e acabaria com ele.

HMS Defence at the Battle of the Glorious 1 June 1794, de Nicholas Pocock https://en.wikipedia.org/wiki/Glorious_First_of_June#/media/File:The_’Defence’_at_the_Battle_of_the_First_of_June,_1794.jpg

No entanto, depois de emitir o sinal e virar sua nau capitânea, a HMS Queen Charlotte, o plano de Howe começou a vacilar. Muitos dos capitães britânicos tinham entendido mal ou ignoraram o sinal e estavam recuando par a linha de batalha original, alguns dos navios danificados no combate de 29 de maio, não conseguiram se posicionar. Isso levou a uma formação irregular, com alguns capitães temerosos permaneceram com seus navios na linha. Os navios de Villaret dispararam contra eles, quando se aproximaram.

Tendo em vista essa situação, os navios de Howe tiveram resultados mistos. Alguns navios conseguiram cortar linha de Villaret, varrendo com fogo seus navios e conseguiram capturar o adversário. Outros falharam e parte da esquadra se engajou em um melee com os franceses (tradicional duelo naval de navio contra navio). Villaret fez o melhor que pode, mas em uma hora, o caos reinou em uma série de duelos.

Neste momento, os britânicos levaram vantagem manobrando e atirando mais rápido que os franceses. Apesar das falhas no controle da manobra da esquadra, a liderança em cada navio britânico se sobressaía em relação ao francês.

A América, de 74 canhões, foi desaparelhada durante o combate e se rendeu ao meio-dia. O Impétueux, de 74 canhões, atacado por dois navios, perdeu todos os três mastros e se rendeu. A Juste, de 80 canhões, duelando com a HMS Queen Charlotte, de 100 canhões, também se rendeu. A Achille, de 74 canhões, totalmente desaparelhada, rendeu-se brevemente ao HMS Brunswick, de 74 canhões, igualmente danificado e sem condições de abordar a Achille, que tentou escapar. A Vengeur du Peuple, de 74 canhões, rendeu-se ao HMS Ramillies, de 74 canhões. A HMS Ramillies não conseguiu abordá-la, em vez disso perseguiu e capturou a Achille.

Os navios de linha franceses Scipion, de 80 canhões, e o Sans Pareil, de 74 canhões, se renderam por volta das 13h, ao HMS Northumberland e ao HMS Jemmappes, que estavam igualmente danificados  e não puderam os abordar. Os quatro navios maltratados vagaram sem rumo no espaço entre as frotas.

Às 11h30, Villaret reuniu 11 navios de linha em uma nova linha e atacou, determinado a resgatar seus navios das mãos dos britânicos. Howe, vendo isso, formou uma nova linha de 6 navios. As duas linhas se engajaram e, posteriormente, interromperam o combate. Villaret recuperou vários navios (incluindo Jemappes e Scipion) e escapou. A frota de Howe estava muito danificada para a perseguição. Howe coletou os navios abordados pelos britânicos, fez reparos no mar e seguiu para a Inglaterra.

A Montagne de Villaret se liberta para reforçar as forças francesas. Desenho de Antoine Morel-Fatio. https://en.wikipedia.org/wiki/Glorious_First_of_June#/media/File:La_Marine-Pacini-50.png

Howe perdeu 287 mortos, 811 feridos e teve 10 navios de linha severamente danificados. A esquadra de Villaret teve 1.654 mortos, 1.000 feridos, e 4.000 foram feitos prisioneiso, 7 navios capturados e 11 severamente danificados. A bravura de Villaret na batalha, permitiu que o comboio com os grãos escapasse. Ambas os comandantes e suas esquadras foram elogiadas pela conduta gem combate e contra as expectativas, ambos se saíram muito bem.

Um fato interessante é que tanto a Grã-Bretanha quanto a França reivindicaram a vitória na batalha: a Grã-Bretanha em virtude de ter capturado sete navios franceses, sem perder nenhum e mantendo o controle do local da batalha. A França porque o comboio atravessou o Atlântico ileso e chegou à França sem perdas significativas. Em nosso entendimento, a batalha foi uma vitória estratégica britânica, pois a esquadra francesa perdeu navios e continuou bloqueada, apesar dos franceses terem atingido seu objetivo naquele momento.

A Batalha de Ushant demonstrou vários dos principais problemas inerentes às marinhas francesa e britânica no início das Guerras Revolucionárias. Ambos os almirantes foram confrontados com a desobediência de seus capitães, juntamente com a falta de disciplina e de treinamento de suas tripulações (pior no lado francês). Devido as deficiências de pessoal e de treinamento, os almirantes não conseguiram controlar suas frotas efetivamente durante o auge do combate. Um aspecto interessante foram as manobras inovadoras do almirante Howe durante a batalha, que surpreenderam os franceses e só não foram mais bem sucedidas devido a falhas dos comandantes dos navios no cumprimento das ordens recebidas da nau capitânea.

Imagem de Destaque: Glorius First of June: HMS Queen Charlotte x Océan, de Philip James de Loutherbourg – https://en.wikipedia.org/wiki/Glorious_First_of_June#/media/File:Loutherbourg-La_Victoire_de_Lord_Howe.jpg

Fontes

ANDERSON, Garret. The Battle of Ushant, also known as the “Glorious 1st of June”. This day, This Battle. Disponível no sítio eletrônico: https://www.facebook.com/groups/thisdaythisbattle. Acessado em 04/06/2022.

https://en.wikipedia.org/wiki/Glorious_First_of_June

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/glorioso-primeiro-de-junho-225-aos-da-grande-batalha-entre-inglaterra-e-os-franceses.phtml

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

Deixe um comentário

Gostou dos artigos e postagens?

Quer escrever no site?

Consulte nossas Regras de Publicação e em seguida envie seu artigo.

Siga-nos nas Redes Sociais