O que podemos esperar do governo Joe Biden?

de

Prof. Dr. Ricardo Cabral

Vamos nos ater a política externa, vou citar um ou outro item de política interna, naquilo que possa nos favorecer em traçar um cenário de como será a política externa dos EUA nos próximos quatro anos.

– Retorno ao Clube de Paris, reforço da pauta ambiental e retomada do incentivo governamental para a produção de energia sustentável (eólica, solar e térmica). Como fez Obama com a energia nuclear, que deve ser incluída no pacote;

– Na economia o Congresso aprovou, em dezembro, um pacote de estímulos de quase US$ 1 bilhão de dólares, Biden prometeu outro de US$ 1.9 bilhão, que contempla medidas emergências e outras de mais longo prazo. A pergunta dos analistas econômicos é que se haverá espaço fiscal para isso, a certeza é que um novo pacote de estímulos virá;

– O governo Obama encaminhou uma proposta de reformulação do ensino fundamental e médio, mais voltado para as ciências e buscando maior eficiência educação visando um salto de qualidade na formação dos norte-americanos (que estão atrás dos estudantes asiáticos e europeus). Tais medidas foram derrotadas. Esta medida teria impacto na mão de obra e na produtividade do trabalhador americano. Na mesma direção, buscou aumentar o investimento na pesquisa científica. É provável que Biden retome essas propostas, pois tem impacto direto na economia, com efeitos já no médio prazo e são estruturantes;

– Retorno do globalismo e do multilateralismo, a volta a OMS, retomar a iniciativa na ONU e suas agências (perdeu espaço para a China), reforçar os laços políticos com aliados tradicionais como a União Europeia;

– Provavelmente veremos os EUA tendo a iniciativa de buscar reformar as relações com a Rússia (Obama tentou duas vezes, uma com o próprio Biden e outra com a Hilary Clinton), difícil fazer um prognóstico aqui. Os russos e os democratas têm experiências muito negativas e um relacionamento complicado. Putin sabe tirar o máximo proveito de qualquer circunstância e está incomodado com os chineses se estabelecendo na sua “área de influência” na Ásia Central, a chave pode estar aí;

– Com relação ao Irã acredito na busca de um novo acordo, já que o anterior os iranianos nunca cumpriram. Essa questão deve se encaminhar para uma solução de compromisso que pelo menos estabilize a região. Os iranianos vão cobrar caro. Israel, a Arábia Saudita e as monarquias do Golfo, não irão gostar. Não acredito no sucesso dessa iniciativa;

– O relativo afastamento, mas com uma vigilância rigorosa, no Oriente Médio iniciado por Trump deve ser mantido, já que a prioridade é a contenção da China e as relações com os países da Ásia-Pacífico;

– A iniciativa de Trump, os “Acordos de Abraão”, devem prosseguir, mas acredito que as relações com Israel sofrerão impacto. Os EUA devem pressionar os israelenses para que façam concessões aos palestinos e isso vai causar turbulência, independente do partido do governo em Tel Aviv;

– Biden, provavelmente, vai retomar as iniciativas de grandes acordos de livre comércio com a EU, o UK e o TPP (com países da Ásia-Pacífico) já que a estratégia de Trump de acordos bilaterais se revelou um fracasso;

– A Coreia do Norte deve testar o novo governo americano em breve, isso é quase um padrão;

– Buscar novos aliados e reforçar os laços com aliados tradicionais no Extremo Oriente deve ser a grande prioridade nas relações exteriores norte-americana, que aliás começou com Obama;

– Biden deve intensificar a busca de novos aliados na Ásia, como o Vietnã, por exemplo, reforçar os laços com os aliados tradicionais (Japão, Coreia do Sul, Filipinas…) e os novos amigos (nem tanto assim) como a Índia;

– Encontrar um novo papel para a Austrália e a Nova Zelândia, aliados tradicionais, sob grande pressão dos chineses. A ANZ deve passar de linha avançada de defesa para perímetro de defesa? Será que os EUA estão prontos para um comprometimento desse nível? Trump não assumiu esse compromisso;

– Com relação a China, no meu entendimento, teremos mais do mesmo, a mesma pressão política e econômica, sem as palavras duras ou a arrogância que caracterizaram o período Trump. Por que? Porque os chineses, simplesmente, cumpriram, muito parcialmente, os acordos firmados com os EUA e esperam uma nova rodada de negociações com o novo governo, a fim de melhorar as condições do acordo;

– No campo militar, o secretário de Defesa, ao que parece, não está levando em consideração o desafio chinês na sua área e está reticente em aumentar as capacidades das FFAA norte-americanas. O ELP está em processo de transformação e modernização radical, exponenciando suas capacidades e reduzindo rapidamente o gap em relação aos EUA. Em pouco anos a superioridade militar local será uma realidade. Está se configurando um caso clássico de malthusianismo militar, por enquanto só do lado norte-americano, mas se os chineses quiserem ser uma superpotência e a hegemonia, terão que ser ainda mais inovados que os EUA e é aí que reside o perigo;

– As relações EUA X China pela hegemonia mundial estão se caminhado para a “Armadilha de Tucídides”? fiquem atentos aos próximos capítulos;- A América Latina, como sempre, não está no radar da política externa norte-americana só apareceu na campanha em dois tópicos nada favoráveis: Venezuela e Brasil (por causa da estreita ligação política entre Bolsonaro e Trump).

– Com relação a Venezuela prevejo mais do mesmo, de novo, sem uma retórica agressiva e tentando minar o regime de Maduro por dentro, bem ao estilo dos Democratas.

– Bem, o Brasil estará sobre pressão na pauta ambiental e em assuntos mais específicos que são caros ao governo Bolsonaro. Por outro lado, os EUA têm com o Brasil, um dos maiores superávits comerciais da sua tradicional deficitária balança comercial. Tem uma série de assuntos econômicos na pauta: a concessões do 5G e na infraestrutura, as privatizações e por aí vai. Biden, durante seu tempo como congressista foi um lobista, um caixeiro viajante, usando a pressão política para fazer negócios que fossem favoráveis para as empresas norte-americanas. Com relação ao 5G, os chineses esperam que Brasília não os tire da concorrência. O fato é que foram assinados acordos e Washington vai cobrar seu cumprimento, mas diante de uma pressão política nas pautas que lhe são sensíveis, Brasília pode optar por ser pragmática, aliás isso já está sendo ensaiado (nem por isso pensem que Bolsonaro vai se aproximar mais de Beijing). Outros acordos podem ter impacto negativo, tais como: a concessão Base de Alcântara (um mal negócio), o acesso a equipamentos militares norte-americanos (que não é grande coisa, trata-se de material de segunda mão e de tecnologia ultrapassada), acesso a tecnologias sensíveis (mais que seriam acessíveis por outros países como a Rússia, Índia e a China), a entrada na OCDE (que pode sofrer retrocesso) entre outras pautas. No meu entendimento, Brasília e Washington vão procurar um meio termo, não vejo o governo Bolsonaro sendo ousado como foi a gestão do Geisel que, quando foi pressionado em um tema sensível pelo democrata Jimmy Carter, resolveu buscar novos aliados e tocar seus projetos estratégicos, mas não é algo que não pode ser descartado. Brasília, tem suas opções e um mercado de mais de 210 milhões de habitantes, não é algo que se despreze.

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Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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