Ms. Rodolfo Queiroz Laterza
A ofensiva das Forças Armadas Ucranianas começou em 4 de junho e já dura 104 dias. No entanto, vários problemas não resolvidos impedem as tropas ucranianas de atingir os objetivos previamente definidos, tal como escrevemos no ensaio.
De acordo com o planejamento operacional delineado, ainda no verão as Forças Armadas da Ucrânia – FAU deveriam entrar na Crimeia, com diversos veículos de comunicação indicando exatamente esses objetivos máximos para a contraofensiva e considerando alta probabilidade de êxito. As verdadeiras expectativas eram de que a ofensiva piorasse drasticamente a posição estratégica das tropas russas e criasse condições para negociações estrategicamente vantajosas com a Rússia sobre o fim do conflito militar a partir de uma posição de força. Este ponto de vista foi partilhado não só pelos dirigentes ucranianos, mas também pelos militares americanos e britânicos, com reforço de comentaristas e matérias da mídia ocidental e ucraniana.
Supunha-se que as tropas russas sofreriam um golpe crítico em sua capacidade de condução de guerra, o que pioraria a sua situação operacional drasticamente, a partir do qual a Rússia seria forçada a negociar.
Aparentemente, a tarefa máxima era cortar o corredor terrestre para a Crimeia no eixo sul de Zaporozizhia e chegar ao Mar de Azov, tornando a Crimeia um alvo alcançável à artilharia ucraniana provida pela Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN. Parece que os objetivos da ofensiva ucraniana foram considerados bastante realistas tanto pelos militares como pelos políticos ocidentais, pois declaradamente esperavam que resultados tangíveis fossem alcançados poucas semanas após o início da ofensiva.
Em 04 de junho, quando iniciou-se a ofensiva, o comando militar ucraniano escolheu a direção de Zaporozhzhia para uma contra-ofensiva, onde as Forças Armadas russas aguardavam desde dezembro um forte ataque e prepararam uma séria linha de defesa baseada em fortificações sucessivas e sobrepostas em várias linhas, cujos detalhes podem ser melhor estudados no estudo acessível no link: https://historiamilitaremdebate.com.br/analise-das-fortificacoes-russas-no-perimetro-operacional-da-guerra-na-ucrania/
Aparentemente, esta é a única direção em que Kiev poderia obter o resultado político que predeterminaria o resultado de toda a campanha ucraniana. Em outras áreas, a promoção não teria efeito imediato ou seria extremamente difícil, como nos eixos de Donetsk ou nos flancos sul de Bakhmut, onde também promoveram ataques concentrados para romper linhas de defesa russas e controlar determinadas áreas.
Se as Forças Armadas da Ucrânia tivessem conseguido um forte avanço em Zaporozhzhia – mesmo sem cortar o corredor terrestre para o abastecimento das tropas russas da Crimeia – então teriam surgido condições para negociar favoravelmente com a Rússia a partir de uma posição superior. Entretanto, estas suposições podem revelar-se erradas, porque a Rússia, em caso de fracasso, poderá reagir com uma escalada acentuada das hostilidades e a introdução de novas reservas, as quais continuam a ser treinadas e preparadas com novas Divisões e Brigadas.
2. Análise crítica operacional
Tal como no caso da ofensiva russa do primeiro quadrimestre concentrada em Bakhmut, a ofensiva das FAU em Zaporozhzhia e sul de Donetsk esteve associada aos chamados centros de gravidade – as aldeias de Rabotino e Verbovoye em Zaporozhzhia, bem como os povoados de Staromayorsky e Urozhayny na direção sul de Donetsk. Ao mesmo tempo, a área na região de Orekhov foi provavelmente avaliada como a mais preferível para um ataque apenas por causa da curta distância até Tokmak.
No entanto, no planejamento das operações de combate, em nossa avaliação o comando das Forças Armadas da Ucrânia demonstrou falta de flexibilidade, pois ao atacar um ou dois povoados, cuja defesa foi reforçada ao máximo pelas unidades russas, as tropas ucranianas perderam muito pessoal e equipamentos durante combate. Para diluir as defesas russas, a Ucrânia mobilizou unidades prontas e introduziram antecipadamente na ofensiva reservas estratégicas, algumas das quais foram transferidas de outras direções, inclusive de Kharkiv e Kherson, mas isso não ajudou taticamente, permanecendo o impasse operacional, em que progrediam muito lentamente no terreno com baixas irrecuperáveis muito elevadas.
As FAU realizaram múltiplos ataques no setor de Zaporozhzhia e Sul de Donetsk, sondando as defesas russas em operações de modelagem e tentando encontrar nelas pontos vulneráveis, a fim de expandir ainda mais a ofensiva nessas direções.
Também houve tentativas de estender as forças russas ao longo da frente com a ajuda de ataques ao território russo (regiões da Federação Russa que fazem fronteira com o território da Ucrânia, como Belgorod, área de Kherson ocupada pela Rússia e Kursk). Esses ataques não foram ataques rápidos, seu objetivo era ganhar uma posição segura. Por exemplo, durante o ataque a Grayvoron, na região de Belgorod, os ucranianos cavaram trincheiras e trouxeram armas para lá. Aparentemente, o objetivo era desviar as forças russas de outra área e enfraquecer a defesa em direções-chave da ofensiva empreendida em Zaporozhzhia e sul de Donetsk.
A partir de 4 de junho, as Forças Armadas Ucranianas sofreram contínuas perdas bastante elevadas em batalhas na saliência de Vreminsky e para romper a linha de defesa de contato de Rabotino, ao mesmo tempo que não tinham tantas reservas operacionais suficientes necessárias para estabelecer uma superioridade numérica de efetivo sobre as forças russas tal como ocorrera na ofensiva de setembro do ano passado nos setores de Kherson e Kharkiv, quando concentraram sucessivas reservas de combate em ataques rápidos e móveis perante forças russas dispersas e pouco numerosas. Por causa disso, as Forças Armadas da Ucrânia foram forçadas a deixar por dias e até semanas até unidades de combate importantes em batalhas posicionais, reabastecendo-as com dificuldade e sofrendo perdas em tropas e unidades de combate por ataques de barragem de artilharia com batalhões de defesa territorial mal treinados e recentemente mobilizados. Por outras palavras, o núcleo do pessoal militar mais treinado e com o melhor equipamento desgastou-se gradualmente ao longo de três meses de confrontos e os combatentes treinados e experientes foram substituídos por recrutas inexperientes e muitas vezes não testados.
Ademais, houve vários fatores importantes para o atraso do cronograma original da ofensiva. Em primeiro lugar, a Rússia conseguiu impor a Kiev uma longa e exaustiva batalha por Bakhmut, que na maior parte ocorreu em condições desfavoráveis para a Ucrânia. Em nosso entendimento, corroborado por alguns analistas militares ocidentais, os líderes ucranianos cometeram erros graves ao colocarem capital político significativo na defesa de Soledar e Bakhmut, que foram declaradas publicamente como “fortalezas” (para maiores detalhes, sugerimos a leitura doa artigo: https://historiamilitaremdebate.com.br/as-batalhas-nos-flancos-de-bakhmut-uma-analise-operacional/ ). Zelensky e o alto comando militar ucraniano afirmou por inúmeras vezes que as forças ucranianas defenderiam tais cidades até o fim, inclusive “que sem Bakhmut não haveria Ucrânia”. Tendo assumido posições políticas tão fortes, a liderança ucraniana viu-se numa armadilha, o que levou a um gasto significativo de esforços e recursos, com degradação e destruição de unidades de combate importantes e que fariam a diferença na capacidade de combate na ofensiva de verão.
Os ataques das FAU nas seções Rabotino-Verbovoye e Staromayorskoye-Urozhainoye, na verdade, são similares às táticas da batalha por Bakhmut em 2022. Tal como há um ano, a atual configuração das tropas já afetou a eficácia do combate de unidades com diferentes níveis de experiência, treino e armas; tais unidades de combate encontraram-se num espaço limitado de esforço de ataque, favorecendo a posição defensiva russa e a destruição sistemática de colunas blindadas e grupos de infantaria. A interação entre as unidades foi mal organizada, o que regularmente leva à confusão e ao fogo amigo. Com a saída de combatentes experientes e a degradação do controle após os ataques de artilharia, drones, aviação de ataque e mísseis de cruzeiro pelas forças russas aos quartéis-generais das brigadas e batalhões ucranianos situados na retaguarda – principalmente em Orekhov e Malaya Tokmachka – a degradação do potencial de combate se tornou ainda mais agudo.
Ao mesmo tempo, a artilharia russa, pré-posicionada em alturas e com postos de comando integrados, após melhorar sua coordenação com drones e sistemas de reconhecimento, inteligência de sinais e vigilância, expandiu as suas capacidades para destruir as tropas ucranianas.
A qualidade e a velocidade do progresso também são afetadas pela escassez de motoristas de blindados experientes. A título exemplificativo, o número de pessoal mobilizado como operadores de equipamentos com razoável nível de experiência está aproximadamente 75-80% esgotado não apenas na 47ª Brigada de Infantaria Mecanizada, mas também nas unidades de reserva – como a 82ª Brigada de Choque Aerotransportada Separada e a 118ª Brigada de Infantaria Separada das FAU. Nos ataques, as tropas ucranianas perdem instantaneamente muito material humano e equipamento de alta qualidade, que não tem como substituir a curto prazo. Qualquer decisão de transferir reservas de outras direções leva a atrasos e a uma desaceleração no ritmo da ofensiva, que joga a favor das Forças Armadas Russas.
Como resultado desta abordagem, a eficácia de combate das formações envolvidas desde o início da ofensiva diminuiu progressivamente, o que provocou um aumento das perdas irrecuperáveis e sanitárias. Por exemplo, a 47ª Brigada de Infantaria Mecanizada “Magura” começou a perder 60-70 pessoas mortas e feridas por dia. Com tal nível de perdas durante os 102 dias de ofensiva, a composição desta brigada teria sido renovada pelo menos duas vezes. O mesmo ocorreu com o emprego antecipado do grupo de combate “Marun” e “Jagger” dos 9° e 10° Corpo de Exército, os quais deveriam ser mobilizados para ataques em profundidade após ruptura da terceira linha de defesa russa.
Por causa disso, o comando das tropas ucranianas mudou para táticas reais de remoção de minas, quando unidades mobilizadas em veículos não blindados são enviadas para uma área não monitorada em vez de tropas de engenharia.
3. A gravidade das perdas ucranianas irrecuperáveis
Existem evidências crescentes em vídeos da destruição de equipamentos das FAU e seu número está crescendo perigosamente. Existem também outros indicadores, por exemplo, a atividade das autoridades ucranianas do comissariado militar incumbido de recrutamento está muito mais ativo na realização de atividades de mobilização. Antes da ofensiva, policiais foram mobilizados e estamos vendo um número significativo de baixas dentre unidades da Guarda Nacional ucraniana. Estão também sendo tomadas medidas para restringir a saída de jovens entre os 16 e os 18 anos do país, bem como a mobilização de mulheres (inclusive grávidas) e portadores de enfermidade incurável (como soropositivos de HIV e pacientes de tuberculose).
Tudo isto sugere que as perdas ucranianas são significativas mesmo em relação ao número total de recursos de mobilização ucranianos. E factualmente tais perdas estão crescendo. Segundo pesquisas publicadas em veículos midiáticos como o Pravda ucranianos, 76% dos ucranianos conhecem pessoalmente alguém que morreu no front.
Só é possível avaliar as perdas quando os documentos internos da outra parte ficam disponíveis; é difícil estimá-las com base em dados abertos. Tudo o que podemos dizer é que são muito grandes e que o esgotamento das forças de mobilização da Ucrânia se aproxima em níveis críticos, com estimativas de que variam entre 60-71 mil mortos desde o início da ofensiva.
As Forças Armadas da Ucrânia estão tentando reter pessoal experiente e de alta qualidade em formações individuais; ainda estão tentando usá-los com moderação. A sua abordagem ao pessoal é geralmente muito diferenciada: há pessoas que não são particularmente valorizadas, mas há aquelas que são valorizadas. É claro que a qualidade geral dos combatentes diminui a cada nova onda de mobilização. Mas o núcleo de combatentes mais experientes e capazes permanece, embora em número limitado para empreender largas ofensivas.
Acabou sendo impossível compensar rapidamente as perdas sofridas na ofensiva de verão. Isto afetou particularmente especialistas treinados e altamente especializados, incluindo aqueles formados em países da OTAN. Devido à escassez de tropas e equipamentos de engenharia e à constante instalação de novos campos minados, as FAU sofrem pesadas perdas simplesmente quando se deslocam para as linhas de ataque.
A nosso ver, a mobilização geral na sociedade ucraniana para abastecer fronts continuará ao longo deste ano e no ano que vem. Uma crise social contra a mobilização geral só poderia surgir devido ao esgotamento dos recursos humanos e militares ou a um declínio completamente catastrófico na sua qualidade, frisando-se neste contexto que entre as forças ucranianas mobilizadas já existam pessoas com doenças mentais e deficientes.
4. A curva de aprendizagem das forças russas
Desde a novembro passado, a natureza das ações das tropas russas mudou seriamente. A aviação de ataque agora têm análogos das bombas de precisão americanas JDAM, bombas planadoras UMPC (ver artigo no link https://historiamilitaremdebate.com.br/sobre-o-uso-de-bombas-com-o-modulo-de-planejamento-umpc-pela-vks-na-ucrania/) e, em geral, há mais armas de precisão, bem como equipamentos modernos de reconhecimento e controle. Tudo isto não poderia deixar de levar a parte ucraniana à ideia de que era necessário preparar-se melhor. Além disso, suas perdas simplesmente começaram a aumentar e ficou mais difícil acumular o equipamento necessário para deflagrar ataques.
Muitos meses de treinamento e um aumento geral no profissionalismo e no equipamento técnico das forças armadas russas foram observados. Um poderoso sistema de defesa foi construído com fortificações complexas e sobrepostas, além de vários trabalhos de reavaliação para corrigir os erros inúmeros verificados em fases anteriores do conflito. Além disso, a mobilização parcial e um programa ativo para atrair soldados contratados melhoraram a situação com o número de tropas, permitindo nivelar melhor a linha de frente, apesar da inferioridade numérica em efetivo ainda vigente.
A estratégia de guerra de atrito em posição de defesa ativa e elástica foi escolhida quando não foi possível quebrar a Ucrânia e as forças russas foram expulsas de Kherson e Kharkiv no outono passado. A forma de condução de guerra mudou bastante: nos primeiros meses tentaram a Rússia conduziu suas operações com custos mínimos em efetivo, mantendo a Rússia tecnicamente em modo de paz, quando não só não havia mobilização, mas os soldados contratados também mantinham o direito de demissão do exército, o que muitos desfrutaram ao longo de 2022.
Com base nos resultados da ofensiva ucraniana na região de Kharkov, ficou claro que não seria possível manter este regime de limitação no emprego de efetivo, de modo que realizaram uma mobilização parcial e mudaram o quadro jurídico, aceleraram o aumento do complexo industrial-militar (ver artigo https://historiamilitaremdebate.com.br/analise-do-aumento-da-producao-do-complexo-industrial-militar-russo-durante-a-guerra-na-ucrania/).
Anteriormente, atacavam as forças ucranianas com grandes formações em setores do perímetro operacional com baixa densidade de defesa, quando o batalhão conseguia percorrer dezenas de quilômetros e as posições russas eram muito mal equipadas do ponto de vista da engenharia e defesas estáticas e móveis. Tudo isto não tem nada a ver com a defesa russa a partir do verão de 2023, pois as linhas de defesa concebidas pelo General Surovikin foram cuidadosamente preparadas, além de terem sido construídas fortificações e o equipamento das tropas foi melhorado com novos sistemas, principalmente guerra eletrônica, drones kamikaze (destacando-se o Lancet 3 – ver artigo https://historiamilitaremdebate.com.br/a-eficacia-dos-drones-kamikaze-lancet-3-na-guerra-da-ucrania/)
A artilharia russa também melhorou a qualidade do fogo de resposta de contra-bateria. Apesar de resultados significativos, as forças ucranianas buscam se adaptar, instalando e usando obuses autopropulsados em profundidade a uma distância inacessível à artilharia russa. Estima-se no setor de Orekhovsky, que duas brigadas de artilharia estejam concentradas nas direções de Rabotino e Verbovoye, sem contar a artilharia das brigadas locais. Grande parte da artilharia rebocada ucraniana foi destruída neste setor desde o início da ofensiva ucraniana, exigindo portanto maior uso de obuses autopropulsados, os quais são mais difíceis de serem rastreados e capturados por reconhecimento de drones, após o segundo tiro de avistamento tais obuses se movem e mudam de posição.
As forças ucranianas, tendo colidido especificamente com forças russas bem consolidadas na zona de contato, mudaram suas táticas de combate. Já não avançam em grandes forças; foram obviamente proibidos de abandonar em massa o equipamento pesado e mudaram para táticas de espremer, usando massivamente projéteis cluster em artilharia preparatória precedente a operações de assalto. O emprego de munições cluster inflige danos nos pontos fortes das unidades russas, o que obrigou as tropas russas a recuar mais profundamente e se retrair para uma zona de segurança próxima à primeira linha de defesa. Após a refração da linha de defesa, os ucranianos criaram condições para a impossibilidade de utilização de mísseis antitanque pelos helicópteros Ka-52, cujo alcance máximo dos mísseis antitanque é até 8-10 km, se tornando mais expostos a MANPADS inimigos. Isso fez com que a eficiência de ataque dos helicópteros russos tenha diminuído em relação às primeiras semanas de ofensiva, quando após ataques barragens de artilharia complementavam a destruição de alvos blindados com sistemas antitanque.
As FAU começaram a trabalhar com os campos minados muito bem construídos pelos russos, infligindo fogo de artilharia e usando redes de arrasto.
5. Considerações finais
Nenhuma das forças beligerantes tem um modelo específico para romper uma linha de defesa bem preparada pelo inimigo. E isto é claramente demonstrado pelos numerosos ataques ucranianos mal sucedidos nesta ofensiva de verão e também em ataques diversos realizados pelos russos em outros momentos. Atualmente, muitos soldados das FAU morrem em campos minados sob ataques de artilharia, gerando enorme depreciação do poder de combate.
Podemos neste contexto também recordar as tentativas frustradas do ataque russo a Ugledar em fevereiro de 2023 (ver artigo no link: https://historiamilitaremdebate.com.br/estudo-sobre-a-batalha-de-vuhledar-no-curso-da-guerra-da-ucrania/) .
Ademais, vale frisar que as forças russas não promoveram operações de manobra com sucesso desde o ano passado, atacando por flancos em saliências, como Bakhmut e Soledar, em progressões lentas e graduais. Atualmente as forças russas estão na defensiva e o timing operacional está desfavorável para a ofensiva ucraniana, diante da perspectiva climática desfavorável de outono, com clima mais chuvoso.
Ademais, Kiev depende de abastecimentos externos, que não são infinitos e enfrenta agora grave situação econômica. As perdas humanas também são muito grandes; os recursos humanos são muito menores que no início do conflito. A Ucrânia não pode esperar muito; está sob forte pressão política, com o Ocidente coletivo exigindo resultados. Os militares ucranianos são forçados a atacar e usam os métodos e ferramentas de que dispõem.
Os riscos do Ocidente neste conflito também são elevados. Uma vitória inequívoca da Rússia terá consequências globais; é, na verdade, o colapso da velha ordem mundial. E isto é inaceitável para o Ocidente liderado pelos Estados Unidos, por isso a determinação em apoiar a Ucrânia é muito forte e continuará em 2024, ainda que possivelmente em menor escala.
Agora existe um certo imperativo político para a Ucrânia: alcançar pelo menos um pequeno sucesso limitado, a fim de mostrar que as FAU armadas pela OTAN ainda têm capacidade para continuar a guerra por um longo tempo e derrotar as tropas russas no futuro. Sofrer perdas tão pesadas sem fazer grandes progressos será politicamente muito dispendioso para a liderança ucraniana
Ainda assim, a Ucrânia encontra-se numa situação muito difícil devido a uma queda acentuada no nível de vida da população e a grandes perdas materiais e humanas. Frise – se que os fatores morais, de propaganda, informativos e políticos são muito importantes para a estratégia ucraniana e sua resistência à Rússia. Em geral, esses fatores ditaram muitas das ações das FAU incluindo, por exemplo, ataques à Ponte da Crimeia e ataques de sabotagem dentro da Rússia. Não têm grande significado militar, mas foram concebidos para influenciar a sociedade ucraniana e apoiar a sua vontade de lutar, bem como minar a moral da sociedade russa e sua liderança político – militar.
Para a liderança ucraniana, o pior é a desmoralização total, quando as pessoas entendem que não só as perdas são muito grandes (todos já entendem isso de qualquer maneira), mas também percebem que não há esperança de vitória. É aí que o colapso pode ocorrer. Portanto, mesmo um pequeno sucesso na captura de algum ponto significativo permitirá à Ucrânia declarar que os objetivos da contraofensiva foram supostamente alcançados.
Quanto às forças russas, passarão a ações ofensivas quando chegarem à conclusão de que os recursos militares ucranianos foram drasticamente esgotados e o seu potencial de combate foi reduzido, com uma parte significativa do equipamento destruída e as brigadas mais prontas para o combate foram derrotadas. A partir daí, em nossa avaliação, surgirão as condições para uma ofensiva russa, mas por enquanto a liderança do Kremlin está a abordar isto com cautela.
Embora a Ucrânia ainda detenha reservas para ataques em outras direções, o trabalho do lado russo na criação de redes de fortificação e no fortalecimento das defesas não se limitou a Zaporozhye. Além disso, as FAU estão agora a lidar com uma ofensiva russa local perto de Kupyansk, onde a liderança ucraniana teve mesmo de anunciar a evacuação da população civil. É bem possível que agora a questão seja salvar forças ucranianas para repelir possíveis ações ofensivas da Rússia neste setor.
Outro ponto importante é o enfraquecimento do potencial económico da Ucrânia a longo prazo, o que, por sua vez, tornará difícil aos americanos e europeus levarem a cabo todo o tipo de projetos para transformar a Ucrânia do pós-guerra num novo “Israel” e fortalecê-la com armas. Neste momento, a economia ucraniana como um todo está destruída. No final do ano passado, o PIB caiu 30 por cento, este ano a situação estabilizou, mas da atividade económica que permanece na Ucrânia, a maior parte é simplesmente um subproduto dos seus esforços militares.
Enormes quantidades de ajuda estão a ser injetadas na Ucrânia, além de armas e equipamento militar. Estas dezenas de bilhões de dólares são trocados por hryvnia e usados para pagar salários e todo o tipo de benefícios, o que mantém a Ucrânia funcional e garante uma relativa estabilidade da moeda. Esse dinheiro é gasto no país em determinados bens e serviços, o que cria a aparência de atividade econômica. Se esta assistência começar a diminuir, o país entrará em séria crise.
Imagem de Destaque: https://www.reuters.com/graphics/UKRAINE-CRISIS/MAPS/klvygwawavg/
6. Fontes consultadas
https://apnews.com/article/ukraine-russia-war-counteroffensive-weapons-tactics-8fbdd80504e9d2d1f722b471081504c0
Multiple failures hounding Ukraine’s counteroffensive
https://www.economist.com/international/2023/07/25/is-ukraines-offensive-stalling
https://www.realcleardefense.com/articles/2023/08/22/why_is_ukraines_counteroffensive_destined_to_fail_974465.html
www.rusi.org
https://www.washingtonpost.com/national-security/2023/08/17/ukraine-counteroffensive-melitopol/
https://worldview.stratfor.com/topic/russia-ukraine-conflict
https://www.wsws.org/en/articles/2023/08/25/fsut-a25.html
Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública