Pirâmide de Herman como instrumento de Análise de Humint

de

Prof. Dr. Thiago da Silva Pacheco

Resumo: pretendemos apresentar o conceito de Pirâmide de Humint proposto por Michael Herman, que escalona a importância e a acessibilidade das fontes humanas no tocante ao trabalho de Inteligência. Apresentada esta ilustração, refletiremos acerca das possibilidades deste conceito para estudos sobre Inteligência Humana em diferentes contextos históricos.

As fontes humanas (Humint) são as mais antigas e comuns entre as formas de se obter dados para a atividade de Inteligência (CEPIK, 2003, p. 36). Elas consistem de agentes infiltrados, colaboradores, viajantes, desertores, refugiados e indivíduos interrogados por patrulhas, entre outras possibilidades (HERMAN, 1996, p. 61-66). Justamente por se comporem de pessoas, estas fontes são as mais complexas de se compreender de um ponto de vista histórico-social, pois, em contraposição a dados obtidos por meios tecnológicos ou pelo exame de jornais e revistas, se trata do trabalho de homens e mulheres de variadas classes sociais, movidos por interesses diversos e com distintas experiências no tocante à atividade de Inteligência (NAVARRO, 2009).

Ao considerar esta complexidade, Michael Herman (HERMAN, 1996, p. 61-66) propôs um esquema piramidal a fim de ilustrar como este tipo de fonte se relaciona com Agências de Inteligência. Nesta ilustração, as fontes cujos dados fornecidos são menos significativos compõem a base, enquanto o topo é reservado para as fontes capazes de fornecer dados potencialmente mais valiosos e confiáveis. Assim, na base na pirâmide, estão viajantes – turistas, Marinha Mercante, etc. –, refugiados, contatos no mundo dos negócios e informantes casuais. Na parte intermediária da pirâmide estão populações de territórios ocupados, prisioneiros de guerra interrogados e políticos que fazem oposição ao inimigo. Próximo ao topo, temos os agentes de Inteligência propriamente ditos, sobre os quais figuram os agentes de órgãos de Inteligência adversários, funcionários de departamentos do governo concorrente – generais, diplomatas, membros de comissões científicas, etc. – e componentes de grupos clandestinos que secretamente também trabalham para a Agência.

A ilustração de Herman segue abaixo:

Imagem 1: a pirâmide proposta por Herman

Os exemplos no modelo de Herman ilustram de forma geral o trabalho de Inteligência Externa, principalmente de potências ocidentais, a exemplo da CIA e do MI-6. Porém, como o mesmo modelo determina posição das fontes na pirâmide pelo nível de acesso e pelo grau de confiabilidade, não se restringe a esta modalidade de Inteligência. Neste sentido, ao se considerar que as proposições de um determinado autor podem e devem ser “retificadas, refinadas e rediscutidas” (BARROS: 2011, p. 237, 243-245), proponho que, ao se ajustar o conceito para estudos de casos específicos, podemos obter uma análise mais detalhada dos recursos humanos empregados, considerando a Pirâmide de Humint como uma escala de importância e relação institucional estabelecida por uma agência, comandante ou chefe, acerca de suas fontes. Noutros termos, os tipos sociais de pessoas que atuam como fontes, sua importância e sua raridade, dependem do tipo de Inteligência empregada, da Agência (comandante ou líder) que a emprega e, por fim, do contexto histórico em que se opera a atividade.

Assim, a Pirâmide de Inteligência de Herman é uma ilustração valiosa para se compreender a dinâmica do fornecimento de dados por parte de informantes, espiões e demais pessoas pelas quais se obtenham estes dados (CEPIK, 2003, 36-38). Como esquematiza os tipos de indivíduos fornecedores de dados, sua relação com a Agência e a profissionalização tanto dos informantes quanto do processo de fornecimento, esta ilustração também nos permite uma análise de mão dupla do trabalho de Inteligência Humana: pelo lado da Agência, do comandante ou do líder, a Pirâmide de Herman demonstra quais segmentos sociais são elencados como campos de fornecimento de Inteligência Humana e, portanto, quais demandas institucionais estão em jogo, na medida em que os fornecedores de dados e os tipos de dados fornecidos apontam para os alvos da Agência, do comandante ou do líder no tocante à produção de conhecimento. Pelo lado dos próprios fornecedores, a Pirâmide de Inteligência nos permite um mapeamento social dos indivíduos que compõem as redes de Humint, bem como a relação de cooptação, colaboração e coerção que leva estes indivíduos a fornecer os dados. Ou seja, ela permite “capturar” e “farejar” (como na analogia feita por BLOCH, 2002, p. 54) os homens e as mulheres por trás de uma atividade tão aparentemente mecanicista, como a de fornecimento de dados de Inteligência.

Contudo, reitero que Herman parte do ponto de vista dos modelos estadunidense e inglês para efetuar suas análises. O mesmo se dá com a Pirâmide de Humint que, enquanto ilustração geral do trabalho de Inteligência Externa conforme empregado no século XX, não abrange – e, ressalto, nem se propõe a fazê-lo – outras situações e/ou contextos históricos. Portanto, para análises mais específicas, seriam necessários determinados ajustes nas posições da pirâmide e um maior detalhamento das categorias que a compõem.

A ilustração de Herman se tornaria, assim, um ponto de partida para estudos de caso mais específicos e para uma compreensão mais apurada acerca dos indivíduos que fornecem informações das circunstâncias de fornecimento, de sua relação com a Agência ou comandante e, por fim, de seu treinamento. Ajustes conceituais como estes são importantes no campo teórico-metodológico, justamente a fim de evitar a estagnação discursiva referente a um conceito (BARROS, 2011, p. 237, 243-245). Devidamente ajustada, a Pirâmide de Humint permite, por exemplo, averiguar as origens, a valoração e o gerenciamento dos speculatores e indices que serviam aos generais romanos[1], esquematizando as formas de coleta de Inteligência demonstradas Sheldon (2005), onde os comandantes recebiam informações da parte de batedores sobre tropas e terrenos inimigos, notícias trazidas por viajantes, comerciantes e emissários acerca das cidades do Império, e colaboração de indivíduos oriundos das populações nativas dos territórios ocupados pelos romanos. Na mesma direção, é possível esquematizar e lançar luz sobre os confidentes pelos quais pagava o Cardeal Richelieu, cujas informações o teriam tornado “o homem melhor informado da Europa durante o reinado de Luís XIII”, ou sobre os espiões que trabalhavam para o metódico Wilhelm Stieber na segunda metade do século XIX (NAVARRO, 2009).


[1] Os procursatores eram batedores que iam à frente das tropas. Os exploratores, soldados que penetravam mais profundamente em território inimigo. Os speculatores eramespiões localizados em território hostil. E os indices, informantes e confidentes cooptados entre o inimigo.


Especialmente nos casos de Segurança Interna, as instituições sob vigilância frequentemente são do próprio Estado e os alvos podem ser seus próprios residentes (sejam considerados cidadãos ou não), como se deu com a Gestapo na Alemanha Nazista, com a NKVD na União Soviética após a Revolução Russa ou com as Divisões de Polícia Política no Brasil. Em minha tese de Doutorado, lancei mão do esquema piramidal proposto por Herman, a com de compreender como investigadores disfarçados, espiões recrutados, jornalistas, líderes sindicais, representantes estudantis e até mesmo meretrizes, dançarinas de cabarés e interesses românticos forneciam dados de Inteligência para a Polícia Política na Era Vargas e na República de 1946.

Em suma, são vários os contextos sociais e temporais nos quais príncipes, generais e chefes de Estado buscaram obter dados por meio de pessoas. E a ilustração proposta por Herman, reajustada conforme as necessidades teórico-metodológicas de cada contexto, é ferramenta útil para explorar estes e outros casos.

Imagem de Destaque: La delacion secreta de la República de Venecia, de Ricardo Maria Navarrete

Bibliografia

ANTUNES, Priscila C. B. SNI&Abin: uma leitura dos serviços secretos brasileiros ao longo do século XX. Rio de Janeiro: FGV, 2002.

BARROS, José D’Assunção. Teoria da História 1 – Príncipios e conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, 2011.

BLOCH, Marc. Apologia da História e o Oficio do Historiador. Rio de Janeiro: 2002.

CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia. Rio de Janeiro: FGV. 2003.

GINZBURG, Carlos. “O Inquisidor como Antropologo: Uma Analogia e Suas Implicacoes”. Em: A micro-história e outros ensaios. Trad. de Antonio Narino. Lisboa/Rio de Janeiro: Difel/Bertrand Brasil, 1989, pp. 179-202.

HERMAN, Michael. Intelligence power in peace and war. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

NAVARRO, Diego.Espias: tres mil años de informaciín y secreto. Plaza y Valdes: Madrid, 2009.

PACHECO, Thiago da Silva. Da Ditadura à Democracia: Uma comparação das atividades de Inteligência da Polícia Política no Estado Novo e na República de 1946. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada. Ano de obtenção: 2016.

SHELDON, Rose Mary. Intelligence Activities in Ancient Rome: Trust in the Gods but Verify. Routledge: 2005.

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