Capitão-de-Fragata (RM1) Sérgio Vieira Reale
Introdução
Em 28 de abril de 1789, o navio britânico “Bounty” retornando do Taiti, foi palco do mais famoso crime de motim da História Naval. A missão do navio era de natureza botânica. Coletar e transportar mudas de fruta-pão do Taiti para a Jamaica a fim de alimentar os escravos das possessões britânicas na América Central.
O HMS¹ “Bounty”, construído em 1784 num estaleiro na Inglaterra, era originalmente um navio carvoeiro chamado “Bethia”.
¹ Her Majesty’s Ship, Navio de Sua Majestade
Ele foi rebatizado em maio de 1787 depois de ser comprado pela Marinha Real Britânica. A saga do HMS “Bounty” começa em 23 de dezembro de 1787, quando inicia sua viagem para o Pacífico Sul. O navio possuía propulsão a vela, tinha três mastros, 220 toneladas de deslocamento, 29,44 metros de comprimento e 7,41 metros de boca. Era uma embarcação de pequeno porte. A tripulação tinha 46 voluntários, que estavam motivados com a viagem para o Taiti.
Cabe ressaltar que, o filme histórico é a narrativa de um fato real do passado, que pode ser considerado um possível documento histórico e, nesse sentido, pode contribuir no processo de ensino e aprendizagem. Porém, como o cinema é arte e entretenimento também pode se afastar, em maior ou menor grau, da verdade documental.
A Viagem de ida para o Taiti
No final do século XVIII, marinheiros ingleses fizeram uma viagem da Inglaterra para ilha do Taiti. O navio partiu do Porto de Spithead, em 23 de dezembro de 1787, sob o comando do Tenente William Bligh, que tinha 33 anos e havia sido nomeado Comandante do “Bounty” pelo Rei George III. Ele era um marinheiro experiente, disciplinador, não tinha muito tato com os subordinados e era obcecado por limpeza.
Esta história ocorreu no contexto da marinha inglesa do século XVIII, onde o regulamento disciplinar era severo. A violência era um instrumento da disciplina. Fletcher Christian, que já havia navegado com Bligh, era um jovem aristocrata de 23 anos, considerado instável, mas foi designado imediato pelo próprio Comandante. Segundo a historiadora Caroline Alexander, autora do livro “O Motim no Bounty”, Fletcher Christian não era um grande herói; bem como William Bligh não era um carrasco.
Ao longo do tempo, por meio dos livros e filmes ambos ficaram com estereótipos bem definidos. William Bligh sempre carregou a fama de vilão e Fletcher Christian era considerado um herói.
A viagem de ida teve alguns atrasos em função da insistência do Comandante Bligh em tentar contornar o Cabo Horn, durante 31 dias, onde as condições de mar e vento eram desfavoráveis. Desta forma, desistiram de contornar o Cabo Horn e tiveram que prosseguir na viagem pelo Cabo da Boa Esperança, onde por um período a ausência de ventos também causou mais um atraso.
A permanência no Taiti e o motim
Após dez meses, o navio chegou no Taiti. Em função dos atrasos, as plantas não estavam no período adequado para colheita. O navio lá permaneceu por cinco meses. A tripulação começou a ser absorvida pela cultura local.
O tempo de permanência no Taiti criou vínculos afetivos, contribuiu para reduzir a disciplina da tripulação e aumentar as tensões entre Bligh e Christian, cuja relação até então era estável.
Em 5 de abril de 1789, o navio iniciou a viagem de regresso. O ambiente de bordo já não estava bom e as punições que estavam sendo aplicadas contribuíram para aumentar a instabilidade a bordo.
Vale mencionar que, o Comandante Bligh estava sem o usual destacamento de fuzileiros navais, que poderia ter assegurado a sua autoridade. No dia 28 de abril, o comandante foi acordado por homens armados e foi levado inicialmente para o convés principal. Em meio a um clima de muita tensão Bligh e mais 18 marinheiros foram colocados num escaler de 7 metros, com duas velas, na altura da ilha Tofua, no Pacífico. O “Bounty” passava a ser conduzido por Fletcher Christian. Em 19 de agosto de 1789, Bligh em carta para sua esposa, disse: “perdi o “Bounty”.
Durante 48 dias, Bligh e os demais marinheiros navegaram seis mil quilômetros pelas águas desconhecidas do pacífico. Eles faziam o racionamento de alimentos, conseguiram fazer o impossível e chegaram ao porto holandês de “Kupang”, no Timor Leste. Dos dezenove que estavam no escaler, doze sobreviveram. Este é considerado um dos maiores feitos náuticos da história. Quando William Bligh chegou na Inglaterra foi instaurado um inquérito para apurar as razões e as circunstâncias do motim. Bligh foi absolvido!
HMS Pandora e a Ilha de Pitcairn
O Almirantado Inglês ao tomar conhecimento dos graves acontecimentos enviou a fragata HMS Pandora, sob o comando do capitão Edward Edwards, para caçar os amotinados. Ele chegou ao Taiti em 23 de março de 1791. Catorze homens foram capturados e levados de volta para julgamento.
As buscas pelo “Bounty” e por Fletcher Christian não deram resultado. No retorno, a Pandora naufragou após uma colisão na Grande Barreira de Corais, na costa da Austrália. Trinta e um tripulantes e quatro prisioneiros do Bounty faleceram. Os dez restantes chegaram na Grã-Bretanha em 1792 e foram julgados na corte marcial. Quatro foram absolvidos, três perdoados e três enforcados.
Enquanto isso, vinte e cinco homens permaneceram no “Bounty”. Dois já haviam morrido naquele período. Em função dos vínculos afetivos estabelecidos Fletcher Christian retornou ao Taiti com o Bounty. A ideia era refazer a vida em outro local. Após a sua nova partida com vinte e oito pessoas a bordo, Fletcher estava a procura de uma ilha desconhecida. Desse modo, eles desembarcaram em Pitcairn para fundar uma colônia e atearam fogo no navio para não deixar vestígios.
Significa dizer que os amotinados se dividiram em dois grupos, ou seja, uns permaneceram no Taiti (16) e outros foram para Ilha de Pitcairn (8). Antes de se estabelecer em Pitcairn Fletcher havia tentado se instalar na pequena ilha de Tubuai, aproximadamente 830 km ao sul do Taiti. Porém, como os nativos eram hostis, não foi possível.
O Bounty no Cinema
Esta história estava destinada a transcender o tempo. No Cinema, foram realizadas quatro adaptações em diferentes contextos que retrataram esse fato da história naval. Estereótipos de vilão e herói, Bligh e Christian, foram mais explorados no filme “O Grande Motim de 1935”.
Inicialmente, dois filmes em preto e branco que foram realizados na década de 1930: “in the Wake of the Bounty: At Sea” foi um filme australiano lançado em 1933.
O ator Mayne Lynton era William Bligh e Errol Flynn fazia o papel de Fletcher Christian. Em 1935, O Grande Motim, Charles Laughton interpretou o papel de William Bligh e Clark Gable era Fletcher Christian.
Em 1962, tivemos uma terceira versão com Trevor Howard, William Bligh, e Marlon Brando, Fletcher Christian. Finalmente, em 1984, tivemos o filme Rebelião em Alto Mar: The “Bounty” com Anthony Hopkins, William Bligh, e Mel Gibson como Fletcher Cristian.
A nova tragédia do Bounty
Em 29 de outubro de 2012, o furacão Sandy afundou na costa da Carolina do Norte (Estados Unidos), uma réplica do HMS “Bounty”. A embarcação foi construída originalmente para o filme “Mutiny on the Bounty” (O Grande Motim), de 1962, estrelado por Marlon Brando.
Um helicóptero da Guarda Costeira resgatou membros da tripulação quando o navio começou a afundar. Catorze dos dezesseis tripulantes sobreviveram. Essa réplica, também foi usada no filme Piratas do Caribe. Posteriormente, começou a ser usada em cruzeiros recreativos nos Estados Unidos, sob o comando de Robin Wallbridge, que tragicamente desapareceu no naufrágio. A americana Claudene Christian de 42 anos, parente de Fletcher Christian, infelizmente morreu a caminho do hospital após ser resgatada.
Conclusão
Os acontecimentos que envolveram o crime de motim do “Bounty” naquele contexto, marinha inglesa do século XVIII, podem ser interpretados de diversas formas e, de acordo com a abordagem, podem levar a diferentes conclusões. Entretanto, os seguintes fatos em conjunto podem ter concorrido para o crime de motim: As condições de vida a bordo, a relação comandante/imediato, a tensão entre os tripulantes em função da intensa convivência, as relações entre oficiais e praças, a falta de tato do comandante, a ausência de um destacamento de fuzileiros para assegurar a autoridade do comandante, a violência como instrumento de disciplina e o tempo de permanência no Taiti que permitiu o estabelecimento de vínculos afetivos na ilha. Existem diferentes versões sobre a morte de Fletcher Christian, mas seu corpo não teria sido encontrado.
Referências Bibliográficas e Sites consultados
– ALEXANDER, Caroline. O Motim no Bounty: a história trágica de um confronto em alto-mar. tradução Rosaura Eichenberg -Rio de Janeiro: companhia das letras 2007/ 503p.
– https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/acervo/motim-bounty-597338.phtml
– https://ensina.rtp.pt/artigo/revolta-no-navio-bounty/
– https://pt.wikipedia.org/wiki/Motim_do_HMS_Bounty
– https://historiasdomar.com/a-segunda-tragedia-do-bounty/