A Batalha do Mar Amarelo: Uma das maiores batalhas navais da Ásia, na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905)

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Esta foi a primeira grande batalha naval da história entre frotas de modernos navios de aço e uma das maiores da Ásia. Está relacionada diretamente com a Batalha de Port Arthur, travada entre 8 e 9 de fevereiro de 1904 (que caso nossos leitores queiram, podemos detalhar em um novo ensaio), quando as forças japonesas atacaram de surpresa as forças russas e, posteriormente, a cidade por terra. Em consequência, a esquadra japonesa, comandada pelo almirante Togo Heihachiro, bloqueou o 1º Esquadrão do Pacífico, da Marinha Russa, comandada pelo Almirante Wilgelm Vitgeft.

Os antecedentes

A esquadra japonesa estava fazendo um bloqueio naval contra os dois esquadrões da Marinha Imperial russa em Vladvostock e em Port Arthur (em Liaoning, China). No entanto, o Esquadrão Independente de Cruzadores de Vladivostock, apesar de bombardeado e bloqueado, conseguira se fazer ao mar e navegava em direção a Port Arthur a fim de se unir ao esquadrão que estava ancorado lá. O esquadrão de Vladivostock era composto por três cruzadores blindados. Ambos estavam esperando a Esquadra do Báltico que estava se dirigindo ao Pacífico para reforçar a frota russa na guerra contra a Esquadra japonesa.

O almirante Vitgeft sabendo dessas movimentações adotou a estratégia de “esquadra em potência”, ou seja, manter sua esquadra no porto, pronta para se fazer ao mar e ameaçar o inimigo. No entanto, o esquadrão russo, provavelmente, não poderia vencer os japoneses, mas por que? Vamos ver a correlação de forças.

O 1º Esquadrão do Pacífico russo era composto de seis couraçados, quatro cruzadores protegidos e catorze contra-torpedeiros.

A esquadra japonesa era composta de cinco couraçados, seis cruzadores blindados, oito cruzadores protegidos, dezoito contra-torpedeiros e trinta torpedeiras.

Viram a superioridade de meios dos japoneses, se os russos saíssem para a batalha, provavelmente, seriam destruídos. Concordam com a atitude de Vitgeft?

A situação geral

Port Arthur, em terra, estava cercada e sob ataque, no mar, a esquadra imperial nipônica impunha um bloqueio. O governador russo era o vice-rei Yevgeni Alekseyev que, a princípio, concordou com a estratégia de Vitgeft, mas com o passar do tempo passou a exigir uma atitude mais ousada da esquadra. Alekseyev, era almirante, e defendia que o 1º Esquadrão rompesse o bloqueio e se unisse ao Esquadrão Independente de Vladivostock e enfrentasse os japoneses em uma batalha decisiva. Já Vitgeft argumentava que esquadra fundeada no porto não permitia a entrada dos japoneses e ao mesmo tempo contribuía com sua artilharia para a defesa da cidade. Além disso, a chegada da Esquadra do Báltico, daria uma superioridade de meios o suficiente para derrotar os japoneses. Em termos estratégicos, a posição de Vitgeft era a linha de ação mais favorável. As divergências entre ambos chegaram ao Tzar Nicolau II que ordenou que Vitgeft procedesse como Alekseyev lhe havia sugerido.

A batalha

Vamos fazer algo que até agora não fizemos no site, descrever com alguns detalhes uma batalha naval.

Às 09:55 horas, o 1º esquadrão do Pacífico saiu de Port Arthur. O almirante Vitgeft inicialmente traçou um curso para o sul, na esperança de esconder suas intenções. O almirante Togo, reuniu seus esquadrão para interceptar os russos, caso saíssem para mar aberto. Por volta das 11 horas, ficou claro as intenções dos russos. O esquadrão russo consistia dos couraçados Tsesarevich, Retvizan, Pobeda, Peresvet, Sevastopol e Poltava, dos cruzadores protegidos Askold, Diana, Novik e Pallada e dos 14 destróieres.

Por volta das 12h25, as esquadras avistaram-se a um alcance de cerca de 11 milhas. O Esquadrão de Vitgeft dirigia-se para sudeste a 13 nós, enquanto o de Togo, em um curso de interceptação vinha por nordeste a 14 nós. A Esquadra japonesa era composta pelos couraçados Mikasa, Asahi, Fuji e Shikishima, pelos cruzadores blindados Nisshin e Kasuga, por oito cruzadores protegidos, 18 destróieres e 30 torpedeiros. Uma grande superioridade de meios em relação aos russos.

Durante este tempo, os quatro cruzadores do Esquadrão do Almirante Dewa apareceram e aproximaram-se rapidamente pelo sul a 18 nós. Togo tentou colocar o esquadrão de Vitgeft entre as duas colunas e bombardeá-lo.

Pouco depois das 13h, Togo tentou cortar o “T” russo e começou a disparar suas baterias principais em seu alcance máximo. Vitgeft e o encouraçado Retvizan respondeu ao fogo, mas ambas esquadras estavam fora de alcance. Togo calculou mal sua velocidade ao tentar cruzar o “T” do inimigo, e os russos fizeram uma curva rápida em direção ao porto, mantiveram a velocidade e aumentaram a distância em relação a esquadra japonesa.

O almirante Vitgeft dirigiu-se novamente para o mar aberto e a manobra de um ataque em pinça de Togo fracassou. Os cruzadores japoneses tiveram que virar rapidamente para evitar a linha de batalha principal e, assim, romperam o contato sem disparar um tiro. Enquanto isso, Togo observava a linha de batalha de Vitgeft passar rapidamente pela sua, em direção oposta. Ele ordenou que cada navio se voltasse individualmente, o que colocou seus cruzadores na liderança, mas agora em paralelo com a linha de batalha da esquadra russa.

Por volta das 13:25 horas, novamente no limite extremo do alcance dos seus canhões, os navios de Togo abriram fogo contra o Tsesarevich (a nau capitânia de Vitgeft) e o Retvizan, atingindo o último 12 vezes. Por volta das 13h30, a nau capitânia russa respondeu ao fogo, interrompendo as comunicações sem fio do Togo com as unidades mais afastadas da sua esquadra. Por quase meia hora, as duas esquadras se chocaram e diminuíram lentamente seu alcance.

Às 14h05, as duas frotas estavam a cerca de 3,5 milhas uma da outra, foi a vez de usarem as baterias secundárias. A troca de tiro continuava, agora usando todo o armamento disponível. O couraçado Mikasa, a nau capitânia de Togo, estava bem danificado, mas continuava na batalha. Togo, sem comunicação por rádio, usava sinais de bandeira e retransmissores de rádio dos outros navios que o acompanhavam. Os cruzadores japoneses restabeleceram contato com a linha de batalha russa, mas foram rapidamente repelidos. Ambas as esquadras mantinham a velocidade de aproximadamente 14 nós, mas, novamente, Vitgeft conseguiu ultrapassar o Togo e os japoneses foram forçados a persegui-los.

Por volta das 14:45 horas, o Mikasa havia conseguido chegar a cerca de 7 milhas do encouraçado Poltava, que não conseguiu manter os 14 nós de sua esquadra devido a problemas nas máquinas. O Mikasa e Asahi logo começaram a bombardear o Poltava, recebendo o fogo de contra-bateria dos russos. O almirante Ukhtomsky, comandante da divisão, que estava no encouraçado Peresvet, observou a situação do Poltava e ordenou que sua divisão recuasse e ajudasse os Poltava, e eles começaram a concentrar seus tiros nos Mikasa e Asahi. Com o a ajuda da divisão o Poltava voltou a batalha. O Mikasa e Asahi começaram a receber muitos golpes e Togo usou sua velocidade superior para romper o contato para seguir à frente da frota de Vitgeft e tentar para restabelecer o contato em condições mais favoráveis. Às 15:20 horas, as esquadras estavam fora de alcance e os canhões cessaram fogo.

Quando os navios romperam o contato, o almirante Dewa e seus cruzadores tentaram entrar em ação e novamente foram rechaçados pelos navios de guerra russos. O que aconteceu foi que por volta das 15:40 h, o Yakumo, nau capitânea de Dewa, foi atingido por um projétil de navio russo que estava a mais mais de 8 milhas de distância e que estava fora do alcance das suas próprias armas. Devido a este fato, Dewa decidiu desenganjar.

Como resultado desse primeiro combate, apenas os 6 navios de guerra do Togo (quatro couraçados e dois cruzadores blindados) perseguiam os dez navios de Vitgeft (seis couraçados e quatro 4 cruzadores). Com a noite chegando em aproximandamente três horas, Vitgeft acreditava que havia ultrapassado Togo e que este perderia totalmente o contato quando a noite chegasse. Togo previu isto e ordenou qua sua esquadra aumentasse a velocidade para 15 nós a fim de não perder o contato com os russos.

Por volta das 17:35 h, a esquadra japonesa estava a 3,5 milhas do ecouraçado Poltava e abriram fogo. O almirante Dewa também apareceu com seus cruzadores, e Togo ordenou que todos os couraçados e cruzadores bombardeassem o Poltava, na esperança de afundar pelo menos um navio de guerra russo. Durante a troca de fogo, o Poltava acertou vários tiros no Mikasa.

Às 17:45 h, os projéteis carregados dentro do Shikishima tornaram-se instáveis ​​e começaram a detonar dentro dos canos das armas, destruíndo um dos principais canhões. Às 18:10 o mesmo ocorreu com dois canhões do Asahi e a mesma ocorrência se repetiu em outros navios. Às 18:30 h, Togo tinha apenas 11 de seus 17 principais canhões ainda em ação.

Por volta das 18:30 h, Togo ainda estava tendo problemas para controlar os tiros de seu encouraçado. O Shikishima e Asahi continuavam disparando contra o Poltava já bem danificado. O Fuji disparava contra Pobeda e Peresvet, enquanto o Mikasa duelava com o Tsesarevich. Nenhum navio japonês estava atirando contra o Retvizan e Sevastopol, o que permitiu que eles atirassem livremente contra o Mikasa. Faltando por volta de 30 min para que a escuridão prevalecesse, o Mikasa não era mais eficaz em combate, e os canhões russos pareciam se tornar cada vez mais precisos e eficazes a cada tiro. O Miakasaa sinalizou para o Asahi assumir o combate ao couraçado russo. Às 18:40 h, o Asahi disparou uma salva contra o Tsesarevich, matando Vitgeft e deixando o navio fora de combate.

O príncipe Pavel Ukhtomsky, do ecouraçado Peresvet, percebeu que a nau capitânia estava fora de ação e tentou obter o controle do esquadrão russo. Mas uma granada japonesa cortou o mastro de Peresvet, impedindo que as bandeiras de sinalização fossem içadas como de costume; em vez disso, eles tiveram que ser içadas ao longo da ponte. Sendo assim, quase escondido da vista, o sinal aparentemente só foi visto pelo Sebastopol, já que nenhum outro couraçado russo seguiu o sinal de Ukhtomsky.

O encouraçado Retvizan voltou para a linha de batalha, atacando os japoneses diretamente disparando todas as armas ainda tinha. Rapidamente, a linha de batalha japonesa transferiu seu fogo para Retvizan, golpeando o navio de guerra com todos os canhões, enquanto o alcance caía para menos de três milhas. Havia tantos estilhaços em torno do navio russo que os artilheiros japoneses não conseguiram ajustar o fogo.

Nesa altura da batalha, os navios japoneses estavam com poucos projéteis e muitos de seus canhões principais estavam fora de ação. Togo resolveu mudar de tática, com o principal esquadrão russo disperso, ele passou a luta para seus cruzadores e contra-torpedeiros. O Retvizan muito atingido lançou fumaça e também começou a emborcar, a atuação do restante da esquadra a nau capitânia da destruição. Para os russos, havia pouca escolha a não ser desistir da tentativa de chegar a Vladivostok e retornar a Port Arthur. Isso logo se mostrou impossível de coordenar, e muitos navios se afastaram por conta própria.

O resultado da batalha

Japoneses e russos não conseguiram afundar os principais navios dos adversários, apesar de terem provocado muitos danos mutuamente. Após quatro horas de combates, cinco couraçados, um cruzador e nove contra-torpedeiros conseguiram voltar, com relativa segurança, a Port Arthur. O danificado Tsesarevich e três contratorpedeiros de escolta navegaram para Kiaochou, onde foram internados pelas autoridades alemãs. O cruzador Askold e outro contratorpedeiro navegaram para Xangai e também foram internados pelas autoridades chinesas. O cruzador Diana escapou para Saigon, onde foi internado pelos franceses. Apenas o pequeno cruzador Novik navegou para o leste, contornando as ilhas japonesas para tentar chegar a Vladivostok. Em 20 de agosto de 1904, a perseguição de cruzadores japoneses, obrigou a tripulação do Novik a encalha-lo em Sakhalin, onde foi destruído pela própria tripulação, após enfrentar os japoneses novamente na Batalha de Korsakov. Já os japonese tiveram três couraçados e um cruzador protegido muito danificados.

Algumas considerações a cerca da batalha

O objetivo estratégico russo era chegar a Vladivostok com uma parte substancial da força. O objetivo japones era impedir a união do 1º Esquadrão com o Esquadrão Independente de Cruzadores. Estrategicamente, a batalha foi uma vitória estratégica japonesa, já que a frota russa não conseguiu chegar a Valdivostock e após a batalha também não tentou sair para o mar aberto.

Taticamente, a questão é menos evidente: o objetivo japonês era, provavelmente, destruir a esquadra russa (ou pelo menos os couraçados) sem sofrer muitas perdas, este objetivo não foi alcançado. O resultado tático pode ser considerado um empate ou no máximo uma magra vitória russa, dependendo de qual era o objetivo tático russo: se causar danos mais significativos aos japoneses do que os que poderiasofrer (esse objetivo não foi alcançado), ou forçar os japoneses a se retirarem, preservando o esquadrão russo como uma “frota em potência” (objetivo parcialmente atingido).

Em dezembro de 1904, as batalhas terrestres convergiram em torno de Port Arthur, e a artilharia de campanha seria utilizada contra os navios de guerra russos ancorados em Port Arthur. Todos os navios sobreviventes da Batalha do Mar Amarelo foram afundados ou danificados.

A Batalha do Mar Amarelo precedeu a de Tsushima. Nesta, a experiência de combate e a superioridade tática dos japoneses ficará mais evidenciada. 

Os principais navios de guerra utilizados eram couraçados, as mais poderosas máquinas de guerra até então construídas. As muitas ocorrências durante a batalha serão estudadas em profundidade nos anos seguintes. A velocidade dos navios, a couraça protetora, as ligas metálica que deveriam ser usadas em cada parte do navio, o alcance dos canhões, as formas de aperfeiçoar a pontaria a longa distância foram objeto de estudos, o controle de danos, a segurança dos paióis, a criação de sistemas redundantes para garantir as comunicações, as manobras da esquadra em batalha entre outros itens. Todos estes itens serão objeto de uma série de aperfeiçoamentos que levaram a construção do HMS Dreadnought (1908), o primeiro encouraçado da História.

Imagem de Destaque: https://www.maritimeprofessional.com/blogs/post/battle-of-the-yellow-sea-13564

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Bibliografia

JACOB, Frank. The Russo-Japanese War and its shaping of the Twentieth Century. New York: Routledge, 2018.

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JUKES, Geoffrey. The Russo-Japanese War 1904-1905. Wellingborough (UK): The Osprey Publishing, 2002.

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Livros indicados

O clássico sobre o assunto é de Julian Corbett “Maritime Operations In The Russo-Japanese War 1904–1905”, em dois volumes, que permaneceram secretos por anos e foram publicados em 1994.

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Sites consultados:

http://rallyroundtheflag.blogspot.com/2012/01/battle-of-yellow-sea-rjw.html

https://www.maritimeprofessional.com/blogs/post/battle-of-the-yellow-sea-13564

https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_the_Yalu_River_(1904)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_do_Rio_Yalu

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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