Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral
A principal tarefa daqueles primeiros meses após a declaração de independência era estabelecer a autoridade do novo governo em todo o país. O centro-sul aderiu rapidamente à causa da independência, no norte-nordeste as forças militares foram fundamentais para garantir a manutenção da unidade territorial. Neste período, a Marinha Imperial teve um papel de suma importância para a consumação da independência.
O governo precisava levantar recursos para a compra de insumos militares (armas, pólvora, munição entre outros artigos), navios de guerra, contratar mercenários para compor as tripulações e unidades de linha. Para isso contou com a ajuda popular por intermédio das subscrições e dos empréstimos. As estruturas militares portuguesas (Academia Real Militar, hospitais, arsenais, depósitos, fortalezas, fábricas de suprimentos militares entre outras) existentes no país foram incorporadas ao novo governo. Haviam tropas portuguesas aquarteladas, em número variável, em todas as províncias, controlando pontos estratégicos, as quais podemos dizer que seria em torno de 30 mil homens (só as tropas de 1ª linha). Existiam diferenças significativas entre essas tropas em termos de organização, material bélico e treinamento.
Lembro que no Reino do Brasil existiam forças experientes da Guerra Peninsular (contra os franceses), das operações para a conquista da província Cisplatina, da expedição a Guiana Francesa e contra a revolução Pernambucana (1817).
Em 1822, o Brasil tinha uma população de quatro e meio milhões de habitantes, distribuída de forma irregular distribuída ao longo do vasto litoral. Havia algumas áreas de importância econômica, com concentração populacional e núcleos urbanos relevantes. No norte, havia duas áreas no litoral do Pará, a foz do Amazonas e região algodoeira no Maranhão, regiões esparsamente povoadas, de menor importância econômica em relação às regiões mais dinâmicas. No nordeste, existia o núcleo duro da cultura açucareira, Pernambuco, Paraíba e Paraíba; áreas da criação de gado com destaques para o Piauí, o Ceará e no interior; a Bahia era a região mais diversificada economicamente com importante culturas como tabaco, açúcar e algodão. No centro, o triângulo Rio de Janeiro – São Paulo – Minas Gerais, áreas em crescente dinamismo econômico e aumento populacional, naquela conjuntura era o centro político do país e região de ligação entre o sul e o nordeste. No sul, havia núcleos urbanos esparsos que se desdobravam na região dos pampas e no litoral.
O país não tinha boas estradas no interior e eram precárias nos núcleos urbanos, no litoral em ligação com os do interior, ou seja, as estradas eram poucas e as que existiam eram precárias. Os rios inteiramente navegáveis para o interior são poucos, sendo que o rio da Prata (rios Uruguai, Paraná e Paraguai), o rio são Francisco e o Amazonas eram fundamentais para o acesso ao interior. O Brasil imperial só controlava a foz dos rios São Francisco e Amazonas, mais uma preocupação para o governo Imperial. As linhas de comunicação marítima entre os núcleos urbanos distribuídos ao longo do litoral eram essenciais para a administração do país. Eram 7.600 km de litoral e a importância de uma esquadra na proteção dessas linhas de comunicação e para a luta contra os portugueses pela independência. (ver o ensaio A criação da 1ª Esquadra da Marinha Imperial: https://historiamilitaremdebate.com.br/a-criacao-da-1a-esquadra-da-marinha-imperial/)
A Marinha Imperial que estava em processo de criação, tinha um grande número de portugueses. Felisberto Caldeira Brant, agente brasileiro em Londres, contratava marinheiros, mestres, oficiais para guarnecer os navios de guerra, comprou navios de guerra para reforçar a Marinha, além de enviar suprimentos diversos para o Rio de Janeiro. As capacidades do Brasil em termos de construção naval eram modestas, apenas Rio de Janeiro, Salvador e Belém possuíam estaleiros capazes de construir navios de guerra a vela, mesmo assim haviam limitações técnicas, já que faltava mão de obra e suprimentos, já que parte do material a ser aplicado deveria ser importado.
Durante a Guerra de Independência a recém-criada Marinha Imperial fez de tudo um muito, como já citado fez a proteção da linhas de comunicação marítimas, conduziu tropas, levou suprimentos para abastecer e armar tropas, transportou emissários as diversas províncias buscando adesão a independência, bloqueou a esquadra portuguesa em Montevidéu e Sacramento, na Cisplatina, em Salvador, libertou São Luís e Belém. Vamos apresentar os pontos principais de cada campanha.
A situação no início de 1823 estava longe de estar tranquila para o novo governo. Montevidéu e Salvador estavam nas mãos dos portugueses. Com a Marinha Imperial, minimamente, organizada, o governo no Rio de Janeiro resolveu agir para não perder o controle da situação.
Em 14 de novembro de 1822, as fragatas União e Real Carolina, e a corveta Liberal, sob o comando do capitão-de-mar-e-guerra David Jewett, fundearam próximo ao porto de Montevidéu. Os portugueses, liderados por D. Álvaro da Costa. O Vice-Almirante Rodrigo Lobo, comandante das forças brasileiras, buscou um acordo político a fim de que os portugueses abandonassem Montevidéu. A princípio a esquadra portuguesa no Prata aderiu a causa da Independência. A negativa dos portugueses de retirarem-se, levou Rodrigo logo a instituir um bloqueio naval a cidade. Quando tudo se encaminhava para uma retirada negociada, vários navios que haviam aderido a causa da Independência, voltam sua fidelidade a Portugal, reforçando a resistência lusitana. A chegada dos novos navios vindos do Rio de Janeiro (brigue Real Pedro e as escunas Cossaka e Seis de Fevereiro) e de um novo comandante o capitão-de-mar-e-guerra Pedro Antônio Nunes. A tarefa da esquadra era neutralizar os portugueses em Montevidéu, por intermédio de um cerco em terra e do bloqueio naval, até que o Império conseguisse reunir os recursos necessários para expulsá-los.
Na Bahia, brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo resistia ao avanço das tropas imperiais, ao mesmo tempo em que assegura o controle de Salvador, realizava incursões para retomar o controle da ilha de Itaparica, no que foi rechaçado pela flotilha (8 lanchas armadas) comandadas pelo 2º Tenente João Francisco Oliveira Bottas, e impôs breves bloqueio a Salvador.
Em 28 de janeiro de 1823, um comboio transportando cerca de 700 soldados do Batalhão do Imperador, escoltada pelas fragatas União e Real Carolina, corvetas Liberal e Maria da Glória, brigue Real Pedro e escuna Leopoldina, sob o comando capitão-de-mar-e-guerra David Jewett, foram enviados à Bahia.
A Campanha na Bahia se mostrava crucial, Salvador estava a meio caminho entre as províncias mais ao nordeste/norte e as do sul/sudeste, onde o apoio à causa da independência era maior. Eliminar esse foco de resistência portuguesa era vital. A esquadra portuguesa, comandada pelo chefe-de-divisão João Félix Pereira dos Campos, era composta de um navio de linha (74 canhões), uma fragata, quatro corvetas, dois brigues, seis canhoneiras e várias escunas, era uma ameaça as linhas de comunicações imperiais.
No dia 1º de abril de 1823, a Esquadra Imperial constituída da Nau D. Pedro I (74 canhões); fragata Piranga (52 canhões); corvetas Maria da Glória (30 canhões) e Liberal (22 canhões); brigue-escuna Real Pedro que servia de matalote do ré (navio que precede outro e lhe serve de baliza para as manobras), em seguida se juntaram o brigue Guarani (16 canhões), a fragata Niterói (38 canhões), os brulotes Luísa e Catarina. Essa esquadra, comandada pelo 1º Almirante Thomas Cochrane, estava em boa condições materiais, mas a tripulação deixava a desejar seja em qualidade marinheiras, seja em disciplina, além disso haviam muitos portugueses, que se mostraram desleais em várias oportunidades. Com relação a problemas atuou com rigor, impondo uma disciplina rígida e fazendo treinamentos, mas não tinha como resolver a questão da lealdade. Esse problema só foi resolvido com a incorporação de marinheiros estrangeiros (britânicos, norte-americanos entre outras nacionalidades) que começaram a substituir os desleais.
No dia 4 de maio de 1823, a Esquadra Imperial entrou em combate, a Esquadra Real Portuguesa. Apesar da superioridade numérica e da letargia de parte da tripulação constituída de portugueses, Cochrane conseguiu uma pequena vitória e manteve o bloqueio a Salvador (para saber mais: https://historiamilitaremdebate.com.br/batalha-4-de-maio-de-1823-guerra-de-independencia-do-brasil/)
Em 2 de julho, cercados por terra e mar, os portugueses armaram um comboio constituído de cerca de 70 navios mercantes e 17 navios de guerra se retiraram de Salvador em direção à Portugal. A fragata Niterói (38 canhões), comandada pelo capitão-de-fragata John Taylor, recebeu a missão de fustigar o comboio até as costas portuguesas. Um dado interessante; o 2º tenente Joaquim Marques de Lisboa era voluntário na fragata.
No dia 3 de julho, a Pedro I, Maria da Gloria, a Real Carolina, a Niterói e a Bahia (antigo brigue Colonel Allen) que continuaram a fustigar a esquadra portuguesa capturando 16 transportes e dois mil soldados.
Em 26 de julho de 1823, Cochrane chegou a São Luís, ameaçando com uma força militar superior, tanto no mar, quanto em terra e assim obteve a adesão das lideranças políticas à independência.
Cochrane enviou o brigue Maranhão (o antigo brigue português Infante D. Miguel), junto com a escuna Emília e oito canhoneiras, comandada pelo capitã-tenente John Pascoe Grenfell para negociar a rendição das tropas portuguesas e a adesão do Pará, o que conseguiu com negociações políticas, reprimindo portugueses e simpatizantes, que acabou na morte de 250 prisioneiros no transporte Diligente. Grenfell se apossou de uma fragata recém construída, e a incorporou com o nome de Imperatriz (50 canhões) e a aparelhou, além da charrua Gentil Americana (22 canhões).
A intervenção a Marinha Imperial foi fundamental para assegurar a adesão das províncias da Bahia, do Maranhão e do Pará.
Em Montevidéu, os portugueses resistiam, a Esquadra Imperial, mantinha o bloqueio do porto, com o brigue Real Pedro e as escunas Cossaca e Seis de Fevereiro. Em terra as tropas do general Leclerc impunham um cerco. As vitórias no norte, permitiram que a corveta Liberal, os brigues Cacique e Guarani e o brigue-escuna Leopoldina, reforçassem o bloqueio. D. Álvaro da Costa armou os navios que haviam desistido da adesão a Marinha imperial e planejou romper o bloqueio.
Em 21 de outubro de 1823, os portugueses saíram do porto de Montevidéu em ordem de batalha, liderada pelas corvetas Conde de Arcos (26 canhões), Restauradora (16 canhões), brigue Liguri (16 canhões) e a escuna Maria Teresa (14 canhões). O CMG da Marinha Imperial Pedro Nunes, sinalizou para a divisão navegasse ao largo a fim de ganhar o barlavento, em seguida guinou avançando contra os portugueses. A linha de batalha era formada pela corveta Liberal (20 canhões), brigues Cacique (20 canhões), Guarani (14 canhões), brigue-escuna Leopoldina (14 canhões) e as escunas Seis de Fevereiro e Cossaca. O combate foi violento, mas os portugueses não conseguiram romper a formação da Marinha Imperial, apesar das avarias na Leopoldina e na Seis de Fevereiro. O combate se estendeu até as 16 h, quando os portugueses abandonaram a luta e se retiraram.
Após a derrota D. Álvaro Ramos ainda tentou resistir, mas sem possibilidade de romper o bloqueio/cerco ou de receber reforços deu início a negociações para a rendição. Em 18 de novembro de 1823, as tropas portuguesas capitularam.
Conclusão
A Marinha Imperial foi criada com urgência a partir da visão estratégica que seria fundamental para conquistar a independência do país e mantê-lo unido. O transporte de tropas do Exército Imperial, o envio de emissários políticos para as províncias controladas pelos portugueses e as vitórias nos combates contra os portugueses apenas ressaltam a importância do papel da Esquadra Imperial na luta pela independência.
Imagem de Destaque: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Brasil_1821_-_Am%C3%A9rica_Portuguesa.jpg
Bibliografia
VALE, Brian. A ação da Marinha nas Guerras de Independência in História Naval Brasileira. 3º vol., T. 1. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2002.
NETO, Hélio Franchini. Independência e Morte. Política e Guerra na Emancipação do Brasil 1821-1823. Rio de Janeiro: Topbooks, 2019.
Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.