A possibilidade de Donald Trump retornar à presidência dos Estados Unidos em 2025 levanta questionamentos sobre o futuro das relações de segurança entre os EUA e seus aliados na Europa e no Indo-Pacífico. É o que aponta recente artigo assinado pelos analistas Lotje Boswinkel, Luis Simón, Alexander Lanoszka e Hugo Meijer, publicado no portal War on The Rocks. Nos últimos anos, os países que fazem parte das alianças dos EUA nessas regiões têm fortalecido suas conexões, formando uma rede de segurança cada vez mais integrada. Isso é visível, por exemplo, na crescente cooperação da OTAN com seus parceiros do Indo-Pacífico (Austrália, Japão, Coreia do Sul e Nova Zelândia), em acordos bilaterais entre países da Europa e da Ásia, e em projetos conjuntos de defesa, como o AUKUS (aliança trilateral entre EUA, Reino Unido e Austrália, que inclui a construção de submarinos nucleares) e o desenvolvimento de um caça de última geração entre Reino Unido, Japão e Itália.
Essas transformações estão ocorrendo em um momento de mudanças também significativas nos sistemas de alianças regionais, tanto na Europa quanto no Indo-Pacífico. As alianças tradicionais, antes centradas em ameaças regionais específicas, estão evoluindo para um padrão mais flexível, com foco em cooperações bilaterais e “minilaterais” (iniciativas envolvendo três ou mais países). Os acordos de Camp David, assinados em 2023 entre os EUA, Japão e Coreia do Sul, são um exemplo claro dessa nova tendência. Essas transformações desafiam duas ideias que prevaleceram por muito tempo: a de que as alianças dos EUA são organizadas por regiões e a noção de que as estruturas de aliança na Europa e na Ásia são completamente diferentes.
Repensando as Estruturas Tradicionais de Alianças
Embora, durante a Guerra Fria, as alianças na Europa e na Ásia fossem vistas como modelos distintos — com a Europa focada em estruturas multilaterais, como a OTAN, e a Ásia adotando o modelo “hub-and-spokes” (onde os EUA formavam alianças bilaterais com países da região, sem grandes interações entre eles) —, a realidade sempre foi mais complexa. Já na Guerra Fria, houve cooperação transregional significativa, como a participação de aliados europeus na Guerra da Coreia ou os esforços do Reino Unido em manter acordos de defesa com países como Austrália e Malásia. Embora a maior parte da cooperação tenha permanecido centrada em regiões específicas, as distinções entre as alianças não eram tão rígidas como se pensava.
Nos últimos 30 anos, essas suposições regionais começaram a desaparecer. A queda da União Soviética, por exemplo, fez com que países europeus começassem a focar mais em desafios locais, como a instabilidade regional e o terrorismo. A anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 revitalizou a OTAN, mas a cooperação sub-regional entre países como França, Reino Unido e países nórdicos continuou a crescer. Ao mesmo tempo, na Ásia, a ascensão de uma China mais assertiva tem estimulado uma cooperação maior entre países que anteriormente estavam distantes, como Japão, Austrália e Filipinas, que agora se unem em iniciativas trilaterais e quadrilaterais.
Uma Nova Dinâmica no Indo-Pacífico
A ascensão estratégica da China tem sido o motor por trás da crescente cooperação no Indo-Pacífico. Japão, Austrália e Filipinas, por exemplo, têm estreitado seus laços, participando de alianças trilaterais e quadrilaterais. Além disso, iniciativas bilaterais, como acordos de segurança entre Coreia do Sul e Austrália ou Nova Zelândia e Filipinas, têm ganhado destaque. Esse fortalecimento das relações entre países asiáticos tem sido impulsionado pela crescente ameaça representada pela China, que, com sua postura cada vez mais agressiva, tem gerado um ambiente de insegurança na região.
A administração Biden tem incentivado uma “estratégia em rede” no Indo-Pacífico, buscando maior integração entre os aliados dos EUA na região. A ideia é criar uma arquitetura de segurança mais conectada e integrada, o que inclui também a cooperação entre a OTAN e os parceiros do Indo-Pacífico. Porém, é importante destacar que a administração Trump, durante seu primeiro mandato, já havia começado a pavimentar o caminho para essa maior cooperação, ao alertar os aliados sobre os riscos representados pela China.
A Interconexão entre as Regiões: A Ameaça Comum de China e Rússia
Nos últimos anos, a cooperação entre os aliados da OTAN e do Indo-Pacífico tem sido impulsionada por uma crescente interconexão entre as duas regiões, resultado de ameaças compartilhadas. A ascensão da China é vista como um desafio global, afetando diretamente tanto a segurança regional quanto a ordem internacional. Além disso, a crescente aliança entre China, Rússia e Coreia do Norte tem gerado uma convergência de preocupações entre os aliados dos EUA, ligando as duas regiões de forma mais tangível.
A guerra da Ucrânia, que começou em 2022, tem sido um dos principais fatores que aceleraram essa convergência. A China, ao apoiar diretamente os esforços russos, e a Rússia, ao estreitar sua colaboração militar com a Coreia do Norte, uniram ainda mais as preocupações dos aliados dos EUA, tanto na Europa quanto no Indo-Pacífico. Isso tem levado países como a Coreia do Sul a até considerar a possibilidade de fornecer armas à Ucrânia, enquanto as nações da Europa começam a ver a ameaça da China como algo que vai além do Indo-Pacífico e impacta sua segurança.
O Papel da OTAN e a Expansão da Cooperação Global
Em 2022, a OTAN revisou seu conceito estratégico, destacando a importância da segurança no Indo-Pacífico para a estabilidade euro-atlântica. A aliança tem reforçado a cooperação com países como Japão, Austrália, Coreia do Sul e Nova Zelândia, além de ampliar os projetos conjuntos em áreas como cibersegurança, inteligência artificial e apoio à Ucrânia. Esse movimento é um reflexo da crescente percepção de que as ameaças globais são interligadas e que, para enfrentá-las, é necessário um esforço conjunto entre as regiões.
No nível bilateral, países como França, Reino Unido e Alemanha têm diversificado suas parcerias de segurança no Indo-Pacífico, com foco em áreas como segurança marítima, espaço e intercâmbio de informações. Esses países têm se empenhado também em acordos industriais de defesa com países da região, como o Reino Unido com o Japão e a Itália no desenvolvimento de um caça de sexta geração, ou a Polônia com a Coreia do Sul na compra de equipamentos militares.
O Impacto do Retorno de Trump
Com a possível volta de Donald Trump ao poder, surgem dúvidas sobre como suas políticas podem afetar essa crescente cooperação transregional. Durante seu primeiro mandato, Trump priorizou alianças bilaterais e incentivou os aliados europeus a se atentarem mais para a ameaça chinesa, o que abriu caminho para maior cooperação entre a OTAN e o Indo-Pacífico. Seu retorno pode significar uma ênfase maior na competição com a China, o que, por um lado, poderia reduzir a ênfase em alianças multilaterais, mas, por outro, poderia estimular ainda mais a cooperação entre as duas regiões, uma vez que a China continua sendo vista como a principal ameaça global.
A estratégia de “América Primeiro” de Trump poderia ter efeitos contraditórios: enquanto poderia enfraquecer a cooperação entre os aliados dos EUA ao focar em uma abordagem mais bilateral, também poderia incentivar o fortalecimento de laços entre os países do Indo-Pacífico e da Europa, especialmente diante da ameaça comum da China. Muitos dos processos de cooperação iniciados durante o governo Biden — como o fortalecimento das relações de defesa entre países da OTAN e do Indo-Pacífico — já estão em andamento e podem continuar a se expandir, independentemente da mudança na liderança dos EUA.
O Futuro das Alianças Globais
O crescente fortalecimento das alianças entre os EUA, Europa e o Indo-Pacífico reflete uma transformação nas dinâmicas de segurança, com maior ênfase em parcerias bilaterais e minilaterais. A cooperação entre as regiões, impulsionada pela ascensão da China e pela reconfiguração das relações globais de poder, parece estar se consolidando de forma mais permanente. Independentemente de quem esteja no poder nos EUA, o mundo parece estar caminhando para um futuro onde a interconexão entre as regiões será cada vez mais fundamental para a segurança global.
Artigo original disponível em: https://warontherocks.com/2024/12/alliance-networking-in-europe-and-the-indo-pacific/?__s=wp1ih7l42lm54ch7sc6h