Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral
Introdução
O Irã está inserido em um ambiente de segurança regional, no mínimo, desafiador e realisticamente ameaçador (para maiores informações acesse https://historiamilitaremdebate.com.br/o-ira-e-a-balanca-de-poder-no-oriente-medio/ e https://historiamilitaremdebate.com.br/analise-do-conflito-curdo-iraniano/). A República Islâmica conta com poucos parceiros e menos ainda com aliados leais e confiáveis. O Irã enfrenta adversários internos, regionais e globais, tem rivalidades como a Turquia e a Arábia Saudita, e inimigos hostis como Israel e os Estados Unidos. Para tornar as coisas mais difíceis, as capacidades militares do Irã, apesar dos esforços e recursos dispendidos, são limitados em várias áreas, sua economia, é prejudicada por severas sanções, que não permite, realisticamente, gastos muito maiores com defesa do que já são feitos, na área de ciência e tecnologia, os iranianos sofrem várias restrições ao acesso à tecnologias sensíveis. No entanto, ao longo dos anos, o Irã construiu capacidades consideráveis a partir de uma abordagem estratégica que lhe permite ser um ator relevante no ambiente regional e mesmo internacional, apesar de suas desvantagens, fragilidades e limitações.
A estratégia de defesa iraniana largamente se baseia na capacidade de contra-atacar com seus mísseis balísticos a grande distância. Teerã adota uma abordagem assimétrica para sua defesa: alianças com atores regionais não estatais, focar no desenvolvimento de táticas militares inovadoras, aproveitar ao máximo as vatagens da sua localização geográfica. Mesmo diante das restiçõe ao acesso a tecnologias e limitações econômicas, Teerã desenvolveu capacidades em várias áreas: além dos misseis balísticos, como drones, mísseis portáteis, guerra eletrônica e cibernética.
Este ensaio tem como objetivo apresentar um balanço das capacidades militares iranianas, de suas forças e como estas se relacionam com suas estratégias de guerra.
A geografia e a defesa
O país tem uma área de mais de 1.648.000 km2 e uma população de mais de 87 milhões, em um terreno montanhoso que oferece amplas possibilidades para a defesa.
Em termos geográficos, a topografia iraniana oferece uma série de obstáculos naturais e oportunidades para ação ofensiva. O país é grande e largo, ou seja, tem profundidade estratégica, suas fronteiras são protegidas por grandes cordilheiras, especialmente as montanhas Zagros no oeste. A maioria dos centros populacionais iranianos estão no interior do país. O terreno montanhoso do Irã permite amplas opções para o estabelecimento de posições defensivas consideráveis, incluindo extensas redes de túneis que podem compensar um pouco as fraquezas iranianas em defesa aérea e poder aéreo. Aliás, as principais instalações militares e de pesquisa iraniana encontram-se em poderosos bunkers subterrâneos.
O posicionamento geográfico do Irã tem três grandes vantagens geográficas: a primeira vantagem iraniana é a proximidade dos campos de petróleo do Oriente Médio; a segunda é o Estreito de Ormuz, no Golfo Pérsico, é choke point fundamental para o acesso aos principais produtores mundiais de hidrocarbonetos no Oriente Médio; e a terceira é a ligação terrestre entre a China e a Europa (a antiga e a nova rota da Seda).
Exército da República Islâmica do Irã (Artesh)
O Irã é um dos países mais populosos do Oriente Médio e possui em torno de novecentos mil combatentes, entre membros da ativa, reserva das forças armadas, polícia e guarda revolucionária (forças de elite e guarda pretoriana do regime).
É importante ressaltar que parte considerável das forças iranianas estão equipadas com material militar, em grande parte defasada ou obsoleta, e tem um treinamento militar limitado devido as suas funções (guarda territorial e patrulhamento das zonas interiores e de fronteira por exemplo) ou por limitações técnicas e/ou econômicas.
A sua eficácia em combate contra oponentes com forças tecnologicamente mais avançadas, certamente seria muito menor do que sugerem os números ou a propaganda oficial. No entanto, a massa também tem uma qualidade própria, especialmente, na defesa territorial contra invasores externos (já vimos isso na Guerra Irã-Iraque).
Sujeito a sanções e com um grande estoque de equipamentos obsoletos, o Irã fez um esforço considerável para desenvolver a sua base industrial de defesa (para maiores informações https://historiamilitaremdebate.com.br/a-base-industrial-de-defesa-iraniana-e-seus-principais-produtos/). O Irã é bem eficiente na engenharia reversa e apesar das dificuldades de acesso a peças sobresalentes, acessórios e componentes eletrônicos tem tido um sucesso considerável em modernizar seu equipamento militar, já um tanto quanto ultrapassado em condições de combate.
Orçamento Militar
Os dados de despesas militares do SIPRI derivam da definição da OTAN, que inclui todas as despesas correntes e de capital das forças armadas, incluindo forças de manutenção da paz; ministérios da defesa e outras agências governamentais envolvidas em projetos de defesa; forças paramilitares, se estas forem consideradas treinadas e equipadas para operações militares; e atividades espaciais militares. Tais despesas incluem pessoal militar e civil, incluindo pensões de aposentadoria de militares e serviços sociais para o pessoal; operação e manutenção; compras; pesquisa e desenvolvimento militar; e ajuda militar (nas despesas militares do país doador).
– O orçamento militar/de defesa do Irã para 2021 foi de US$ 24,59 bilhões, um aumento de 55,38% em relação a 2020.
– O orçamento de gastos militares/defesa do Irã para 2020 foi de US$ 15,83 bilhões, um aumento de 26,31% em relação a 2019.
– O orçamento de gastos militares/defesa do Irã para 2019 foi de US$ 12,53 bilhões, um aumento de 11,55% em relação a 2018.
– O orçamento militar/de defesa do Irã para 2018 foi de US$ 11,23 bilhões, uma queda de 19,38% em relação a 2017.
(https://www.macrotrends.net/countries/IRN/iran/military-spending-defense-budget)
Como verificamos o orçamento militar iraniano tem um crescimento a partir de 2019, com o abrandamento de algumas sanções e, principalmente, pela formalização de parcerias comerciais com a China e Rússia que lhes trouxeram mais recursos e acesso a determinados componentes necessários para a modernização da produção interna de material bélico.
Capacidades convencionais
A base industrial de defesa iraniana tem vários destaques além dos mísseis balísticos e dos drones (para maiores informações https://historiamilitaremdebate.com.br/o-programa-de-drones-do-ira/), como o MBT Karrar, as fragatas leves Moudge, mísseis anti-navio (Zafar, Nasr, Noor e Ghader), o míssil hipersônico Fattah e de cruzeiro (ainda não confirmados) e sistemas de defesa aérea Bavar-373 (muito provavelmente uma modernização do S-300PMU-2) e Almaz (modernização do S-200). A BID iraniana produz versões nacionais de fuzis, pistolas, obuses e minas terrestres. As parcerias firmadas com a China e Rússia abriram possibilidades de recebimento de sistemas de armas mais modernos, como os SU-35 e os materiais necessários para a produção interna. Existe um processo de modernização fortemente baseado na produção nacional, mas limitado devido o acesso de componentes tecnológicos mais avançados que o Irã não tem acesso devido às sanções. No entanto, em que pese as restrições orçamentárias e as sanções, nos últimos anos, os iranianos tem recorrido a Rússia e a China para terem acesso a equipamentos e componentes mais modernos.
O Corpo de Guarda Revolucionários Islâmicos (Sepah)
O Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (CGRI) é um exército dentro do exército, basicamente funciona como a guarda pretoriana do regime. O CGRI é uma força militar de armas combinadas, ou seja, tem exército, marinha, força aérea, inteligência e forças expeciais. Também controla a milícia Basij. A Força Quds são forças especiais especializados em guerra irregular, sabotagem, assassinatos, treinamento e ações de inteligência, seu foco de atuação é no exterior. A Quds forma, treina e supri milícias xiitas para atuarem em favor do regime iraniano e está presente em pelo menos cinco países da região (Líbano, Síria, Palestina, Iêmem e Iraque), existem especulações que o efetivo dessas várias milícias pode chegar a 200 mil. A milícia Basij, uma força paramilitar com cerca de 90 mil membros cuja missão principal é a segurança interna e responsávei pela repressão a dissidência interna.
A Marinha do CGRI opera principalmente barcos-patrulha armados no Estreito de Ormuz. Com mais de 20% do comércio mundial de petróleo passando pelo estreito, é a rota de comércio de petróleo mais importante do mundo e palco de vários confrontos entre as patrulhas iranianas e petroleiros de bandeira estrangeira. Tem pelo menos uma brigada de fuzileiros navais e um batalhão de forças especiais.
A princípio o CGRI tem equipamentos mais modernos que o Artesh.
Forças de Terra (Nezaja)
Os números variam de acordo com a fonte, mas as forças de terra têm em torno de 190 mil profissionais e 170 mil conscritos.
As forças de terra, provavelmente, possuem cinco divisões blindadas, sete divisões de infantaria, uma brigada aerotransportada, uma brigada de forças especiais (takavar), seis grupos (brigadas?) de artilhara, seis unidades de aviação, unidades de defesa costeira (brigadas?) e aérea (brigadas/grupos?) e comando logístico com formações (batalhões?) logísticas e de abstecimento. Existem ainda várias brigadas e grupos independentes.
Em 2010, as forças de terra foram reorganizadas em brigadas. Em 2012, foram criadas 31 novas brigadas independentes. A princípio é um exército organizado para realizar operações de armas combinadas.
Main Battle Tank (MBT) e MLR/MRLS (Multiple Launch Rocket /Multiple Launch Rocket System)
O Irã tem cerca de 1.634 tanques, 2.345 veículos de combate blindados e 1.900 lançadores de foguetes, de várias origens. A força de tanques é composta principalmente de antigos modelos como os T-55 e T-72S ou versões modernizadas pelos iranianos como os M-60 A1/Samsam, Chieftain/Mobarez, e de fabricação própria (Zuflfiqar e Karrar). O MBT nacional Karrar, em construção a partir de 2017, tem um design muito parecido com o T-90 russo. Os Helicópetros de ataque são antigos AH-1J Sea Cobra e as versões modernizadas iranianas, Shahed 285, Toufan e Panha 2091. Helicópteros de transporte, os antigos UH-1h Huey e o CH-47 Chinook.
Os APC (Armoured Personnel Carrier) e IFV (Infantry Fighting Vehicle) iranianos são versões modernizadas dos soviéticos BMP-1, BMP-2, BMP-50 e M-113. A artilharia autopropulsada são versões modernizadas de blinados antigos como o M107, M109, M110, 2S1 soviético e o M1978 norte-coreano.
Os lança-foguetes em sua maioria são o MLR Type 63 chinês de 107 mm, BM-21 Grad e BM-27 russo, MLRS M-1985 norte-coreano de 240 mm. Os MRLS iranianos como Fajr-5 de 330 mm, Shahin-1, Shahin-2, Hadid, Azrash e Nur de 122 mm.
Marinha (Nedaja)
A Marinha iraniana possui seis fragatas, três corvetas, 19 submarinos (3 da classe soviética Kilo), 31 navios anfíbio e 88 navios de patrulha. O arsenal do submarino contém a classe “kilo” de fabricação russa, que são chamados de “buracos negros” porque são inaudíveis. Minis-submarinos, navios-patrulhae e navios anfíbios. Em 2021, a Marinha da República Islâmica do Irã revelou seu maior navio de guerra o Makran, um antigo petroleiro convertido em navio base-avançada, capaz de transportar tropas para longe das águas territoriais do Irã. É uma marinha de águas verdes, em processo de expansão a fim de se tornar uma marinha oceânica e com capacidade de projeção de poder. A marinha tem um efetivo em torno de 18 mil homens
A Marinha tem quatro brigadas de fuzileiros navais.
Em 2007, ocorreu uma grande mudança na estrutura militar e nas marinhas iranianas. A Marinha da Guarda Revolucionária (IRCGN) passou a ser responsável pelo Golfo Pérsico e a Marinha (IRIN) pelo Golfo de Omã e o Mar Cáspio.
Força Aérea
A Força Aérea iraniana tem cerca de 509 aeronaves, grande parte data da era do xá ou é remanescente da Força Aérea Iraquiana do ditador Saddam Hussein, que transferiu muitos de seus aviões para o Irã durante a Guerra do Golfo Pérsico de 1991 para evitar sua destruição pelas forças lideradas pelos EUA. Os caças F-14 norte-americano, MiG-29 soviéticos, Su-35 russo, são os principais caças de superioridade aérea, enquanto que os F-4 e F-5 norte-americanos, o Saeqeh e Kowsar versões modernizadas pelos iranianos do F-5, Su-22 soviético, Chengdu J-7 chinês e o Mirage F-1 francês são os caças multifunção. Para ataque ao solo a força aérea iraniana tem o Azarkhsh (outra versão do F-5) e Su-24, tem dois Boeing 707 de guerra eletrônica e três P-3 Orion de patrulha marítima. Existem várias especulações quanto a chegada de novos meios da Rússia e da China, mas até o momento só a notícia confirmada da entrega de 24 Su-35 Flanker-E. O efetivo é em torno de 37 mil homens.
Força de Defesa Aérea
Criada em 2008, controla a rede de radares do país e o sistema de defesa aérea e antimíssil. As forças terrestres iranianas têm um total de cerca de 1.700 canhões antiaéreos, incluindo ZPU-2/-4 de 14,5 mm, ZSU-23-4 de 23 mm, ZU-23 de 23 mm, Type 55 de 37 mm, ZSU-57-2 de 57 mm e KS-19 de 100 mm. O Irã também tinha 100-180 canhões Bofors L/70 de 40 mm e um número modesto de canhões antiaéreos duplos Skyguard de 35 mm. Sua maior participação consistia em ZU-23s. O grande destaque é a produção nacional de uma série de sistemas anti-mísseis nacionais (Shalamchec, Shalin, Khordad 15, Tabas, Talaash e Bavar 373) e estrangeiros como o russo S-300, o PMU2 e Tor-M1, o HQ-2J e HQ-7 chineses, norte-americano MIM-23 Hawk e o Rapier britânico. Sistemas anti-aereos portáteis nacionais (Misagh1 e 2, Qaem e kamin-2) e estrangeiros (RBS-70 sueco e o HN-5 chinês). Os sistemas de radas são nacionais como Spehr, Falaq, Arash e Ghamar. Tem um efetivo por volta de 15 mil em bases espalhadas pelo país e ligação em rede. A estrutura móvel, organizadas em batalhões. As capacidades incluem radares de longo alcance além do horizonte e C4ISR (Command, Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance and Reconnaissance). Os iranianos divulgaram o desenvolvimento de um míssil hipersônico Fattah. O centro de comando em Teerã coordena a defesa aérea e antimíssil do país.
Mísseis Iranianos
Diante das sanções impostas pela ONU, Estados Unidos e seus aliados, o comércio exterior iraniano se reduziu drasticamente e com isso as importações de equipamentos militares do Irã caíram significativamente nos últimos anos. Em consequência, Teerã passou a depender cada vez mais do desenvolvimento de tecnologias domésticas para suas necessidades militares, incluindo importações de hardware mais baratas que vêm principalmente da Rússia e da China para a modernização e manutenção de grande parte do seu arsenal que é de origem externa.
A estratégia de desenvolver mísseis visava superar a desvantagem de ter equipamentos militares de qualidade inferior a seus rivais regionais, aos Estados Unidos e Israel. Com isso, os iranianos desenvolveram um sistema de mísseis mais desenvolvidos da região, com mísseis balísticos de longo alcance, mísseis de médio e curto alcance.
Guerra cibernética e Drones
O Irã também possui um conjunto completo de drones que tem várias capacidades que vão de ataque até missões ISTAR (intelligence, surveillance, target acquisition, and reconnaissance) para maiores informações sobre o programa de drones iranianos ver https://historiamilitaremdebate.com.br/o-programa-de-drones-do-ira/.
Os iranianos têm aprimorado continuamente suas capacidades cibernéticas ofensivas. O Irã tem exercido suas capacidades cibernéticas cada vez mais sofisticadas para suprimir certas atividades sociais e políticas e prejudicar adversários regionais e internacionais. Eles continuam a se envolver em atividades cibernéticas ofensivas convencionais, desde desfiguração de sites, spearphishing, ataques distribuídos de negação de serviço e roubo de informações de identificação pessoal até atividades mais avançadas, incluindo malware destrutivo, operações de influência orientadas por mídias sociais e, potencialmente, ataques cibernéticos destinados a causar consequências na infraestrura crítica, inteligência e nas capacidades C4ISR.
O Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã (CGRI) é a principal entidade iraniana por trás dos ataques cibernéticos patrocinados pelo Estado iraniano, seja por meio de contratados do IRGC no setor privado iraniano ou pelo próprio IRGC.
https://www.iranwatch.org/our-publications/articles-reports/leveling-field-irans-asymmetric-use-conventional-military-capabilities
Fragilidades militares
Existe uma rivalidade intensa e disputa de áreas de influência, recursos, equipamentoe e missões entre as Forças Armadas e o Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos do Irã. A falta de coordenação entre os dois serviços militares é um problema crônico.
Uma das maiores fragilidades iranianas é a defasagem tecnológica existente entre a maior parte de seu armamento em relação aos seus prováveis adversários regionais e globais. Prejudicado por sanções e o seu limitado orçamento de defesa, o arsenal militar convencional do Irã é composto em grande parte por equipamentos que datam da década de 1970, a maior parte dos quais foi adquirida antes da queda do Xá. Embora muitos desses equipamentos ainda possam ser úteis contra inimigos mais fracos, especialmente em operações defensivas, o arsenal de caças, tanques e outros veículos blindados do Irã são lamentavelmente inadequados quando confrontado com a tecnologia de ponta disponível para muitos de seus prováveis adversários como os Estados Unidos e Israel.
Da mesma forma, a capacidade de defesa aérea do Irã também é uma área de desvantagem. Teerã certamente possui alguns equipamentos de defesa aérea relativamente moderna, particularmente as recentes aquisições dos sistemas russos S-300 PMU2 e Tor-M1, mas em número insuficiente. No entanto, falta um caça moderno de superioridade aérea e multifunção, aeronaves de alerta antecipado. O sistema de defesa aérea e antimíssil não é padronizado, com sistemas russos, norte-americanos, chineses e nacionais, o que complica a logística, a interoperabilidade e o treinamento. O terreno montanhoso, que interrompe sua cobertura de radar e a relativa escassez de sistemas de defesa aérea em relação ao seu território considerável apresentam sérios problemas para as defesas aéreas do Irã.
Tendo em vista a série de limitações levantadas acima, Teerã teve que concentrar sua cobertura de defesa aérea em prioridades selecionadas, especialmente sua infraestrutura nuclear e sua capital, deixando um grande número de outros alvos potenciais com menos proteção. O Irã certamente tem os meios potenciais para infligir perdas em ataques aéreos recebidos, mas sua rede integrada de defesa aérea não é densa o suficiente, nem avançada o suficiente para lidar contra agressoes de adversários capazes de realizar ataques furtivos e interferir nos sistemas de radar, de comunicações, de ELINT (eletronic intelligence), guerra eletrônica (eletronic warfare) e com capacidade de engajamento cooperativo (capacity for cooperative engagement, CEC).
Outra grande lacuna no arsenal do Irã é a falta de capacidade e projeção de poder ou capacidade de guerra expedicionária. É verdade que Teerã demonstrou capacidade de enviar e manter forças em diferentes países da região, particularmente na Síria, mesmo com a ameaça de ataques de interdição israelenses, esses continuam sendo ambientes amplamente permissivos, onde os iranianos podem contar com forças amigas locais, infraestrutura e logística para suas operações. O Irã carece de meios suficientes para enviar uma força expedicionária para um território hostil fora do seu entorno regional. Sua Força Aérea tem algumas dezenas de aeronaves de transporte militar, em grande parte composta por antigos transportes C-130, e é muito pequena e vulnerável às modernas forças aéreas de seus adversários. Na frente marítima, o Irã só tem um navio o Makran, um antigo petroleiro convertido em navio base-avançada, capaz de transportar tropas para longe das águas territoriais, tem menos de vinte navios de desembarque e hovercraft, suficientes apenas para atender às necessidades existentes em relação a operações limitadas na área do Golfo Pérsico. A falta de capacidade de transporte aéreo e marítimo limita severamente a capacidade do Irã de projetar poder militar convencional além de suas fronteiras imediatas, especialmente contra posições inimigas preparadas.
Avaliação
Os pontos fortes e fracos militares iranianos informam muito sobre a abordagem operacional de sua defesa dentro de seus imperativos estratégicos mais amplos. Em termos de esforço para impedir ataques de seus adversários, a falta de uma força aérea poderosa e suas capacidades de combate expedicionária relativamente limitadas, os levam a se apoiar fortemente em suas forças de mísseis e em sua posição geográfica vantajosa que permite ameaçar as linhas de comunicação regionais e infraestrutura energética críticas. Essas capacidades militares são complementadas e suplementadas pelas relações de Teerã com atores não-estatais armados em toda a região e suas outras forças assimétricas em operações de inteligência e capacidades cibernéticas. O Irã, portanto, desenvolveu com sucesso a capacidade de contra-atacar e infligir danos consideráveis em retaliação contra qualquer ataque em seu território, apesar de suas consideráveis lacunas em capacidade.
Em termos de defesa direta de seu território pelo Irã, sua falta de um exército tecnologicamente avançado e sua rede de defesa aérea não integrada, força Teerã a se apoiar fortemente em suas outras forças. Por exemplo, o Irã adotou o que chama de doutrina da “defesa passiva”, enfatizando a camuflagem, a ocultação, as instalações subterrâneas e a prevenção de forças concentradas por longos períodos de tempo em que seriam vulneráveis a ataques aéreos. Todos esses elementos são reforçados pelas vantagens geográficas iranianas, terreno montanhoso e profundidade estratégica, que aumentam a capacidade de sobrevivência das grandes forças iranianas (embora defasadas tecnologicamente, para se dizer o mínimo) e fornecem-lhes as capacidade de impor custos dolorosos a qualquer invasor.
Cenários de emprego das capacidades convencionais iranianas
Dadas as forças e fraquezas militares existentes no Irã e o ambiente geopolítico em que se encontra, é provável que nos próximos anos Teerã continue investindo e alinhando suas forças armadas com a estratégia assimétrica que adotou até agora. Essa provável trajetória é informada tanto pela falta de uma alternativa realista quanto pelo relativo sucesso da estratégia até o momento. A pressão contínua das sanções e os baixos preços da energia devem continuar por muitos anos, negando em grande parte qualquer abertura potencial para Teerã encontrar recursos suficientes para investir em um exército convencional para igualar o de seus adversários. Enquanto isso, o potencial de dissuasão das capacidades ofensivas do Irã em termos de mísseis, grupos de atores não estatais, ciber e outros aspectos de suas forças assimétricas é destacado pelo fato de que todos os adversários do Irã se abstiveram de um ataque sério em seu território – mesmo os ataques diretos do Irã às bases dos EUA e às instalações de energia sauditas não levaram a um contra-ataque imediato no território do Irã.
No entanto, o Irã dificilmente pode se sentir seguro com sua atual posição defensiva. Apesar do potencial demonstrado, a capacidade do Irã de dissuadir seus inimigos está mostrando alguma tensão real. As capacidades de contra-ataque do Irã foram incapazes de impedir a intensificação dos ataques aéreos israelenses contra ativos militares e de inteligência iranianos na Síria, o assassinato do general Soleimani pelos EUA em janeiro de 2020, a campanha de sabotagem persistente e de assassinato no Irã e as pesadas sanções e pressão econômica sobre o país. Além disso, se os ataques com mísseis iranianos às bases americanas tivessem causado a morte de tropas americanas, a probabilidade seria muito alta de que Washington retaliasse com ataques no território iraniano. Tudo isso mostra que há limites reais para o sucesso da capacidade do Irã de impedir ações hostis, o que levará ainda mais o Irã a fortalecer suas capacidades assimétricas, pois essa abordagem continua sendo a mais promissora e viável, apesar de seus problemas.
Um cenário mais favorável pode se consolidar pelas transforções geradas pela Guerra da Ucrânia. A aproximação com a Rússia e a China tem se mostrado cadas vez mais promissora em relação ao acesso ao comércio exterior e cooperação econômica e cientific0-tecnológica. Apesar das sanções, recentemente Terrã tem tido acesso a peças, equipamentos diversos, sobressalente, máquinas, entre outros bens dos russos. Beijing tende a seguir o mesmo caminho. Se este cenário se confirmar, as perspectivas serão mais favoráveis aos iranianos.
Conclusão
Este artigo buscou dar um panorama sobre as capacidades militares iranianas, ressaltando a importância da base industrial de defesa e o esforço em busca de maior autonomia. Mostrou também suas limitações e deficiências grande parte consequências dos vários tipos de sanções econômicas e de acesso a tecnologias sensíveis que tem sofrido nos últimos vinte anos.
O artigo busca abrir novas perspectivas de pesquisa sobre as dificuldades de se buscar um desenvolvimento autônomo na área de defesa diante de um quadro de sérias restrições, agravadas por um ambiente regional desafiador, para dizer o mínimo.
Imagem de Destaque: https://www.youtube.com/watch?v=bYNhHsvv4FQ
Fontes
https://newlinesinstitute.org/iran/irans-conventional-military-capabilities/
https://www.rferl.org/a/persian-might-a-look-at-tehran-s-military-capability-amid-the-u-s–iranian-conflict/30368967.html
https://www.dia.mil/Portals/110/Images/News/Military_Powers_Publications/Iran_Military_Power_LR.pdf
https://iranprimer.usip.org/sites/default/files/PDF%20Military_Cordesman_Conventional%20Military.pdf
https://www.insightturkey.com/articles/irans-military-capability-the-structure-and-strength-of-forces
https://www.iranwatch.org/our-publications/articles-reports/leveling-field-irans-asymmetric-use-conventional-military-capabilities
https://www.rferl.org/a/persian-might-a-look-at-tehran-s-military-capability-amid-the-u-s–iranian-conflict/30368967.html
https://www.oni.navy.mil/Portals/12/Intel%20agencies/iran/Iran%20022217SP.pdf
https://iranpress.com/tag/9477-iran-army-ground-forces-iran-army-ground-forces
https://www.iiss.org/online-analysis/online-analysis//2022/02/military-balance-2022-further-assessments
Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.