A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, não foi apenas um ato de agressão militar, mas um evento de magnitude global. A tentativa da Rússia de aniquilar a soberania ucraniana gerou um impacto devastador, não apenas na Europa, mas em todo o planeta. Milhões de refugiados fugiram para outros países, o preço dos combustíveis e dos fertilizantes disparou, e a produção de grãos foi interrompida, afetando o fornecimento mundial. E, conforme a guerra se arrasta para seu terceiro ano, suas repercussões internacionais se expandem, trazendo à tona novas dinâmicas de poder e alianças.
Nos primeiros meses do conflito, os países fora da Europa estavam mais focados em gerenciar os efeitos da guerra do que em se envolver diretamente. Muitos tentaram lucrar com a perda de mercados russos para a Europa e os Estados Unidos, enquanto outros se ofereceram como mediadores, na esperança de reduzir os custos do conflito ou até mesmo de encontrar uma saída diplomática. A diplomacia de nações como Turquia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos teve como principal objetivo minimizar as consequências da guerra e, de quebra, garantir um papel nas negociações que irão, mais cedo ou mais tarde, definir a reconstrução da Ucrânia e a nova ordem europeia.
No entanto, com o prolongamento do conflito, os países fora da Europa se envolvem cada vez mais diretamente. Não se limitam a apelar por uma resolução pacífica, mas também fornecem à Rússia recursos militares essenciais para a continuidade da guerra, como homens e munições. A decisão da Coreia do Norte de enviar milhares de soldados para a região de Kursk, por exemplo, é apenas a mais recente manifestação desse apoio. Países como China, Irã e a própria Coreia do Norte estão usando a Ucrânia como um campo de testes para tecnologias e táticas que poderão empregar em futuros conflitos.
Esse envolvimento não é meramente um reflexo de apoio a Moscou; é parte de uma estratégia mais ampla, onde as potências não europeias tentam se posicionar para moldar o futuro da Europa pós-guerra. Esses países estão cada vez mais transformando o velho continente em um campo de batalha de suas próprias ambições geopolíticas. O que parecia inimaginável há alguns anos — a Rússia sendo auxiliada diretamente por potências como Irã e China — agora é uma realidade. A guerra na Ucrânia, antes uma questão europeia, agora é um conflito global.
Os Limites da Diplomacia Ocidental e a Oportunidade para os Não-Europeus
A diplomacia ocidental, até agora focada em apoiar a Ucrânia contra o que considera uma invasão injusta, alcançou um ponto de estagnação. O apoio militar ao governo de Kiev tem se mostrado insuficiente para mudar a equação no campo de batalha, enquanto o medo da escalada nuclear limita o tipo de ajuda que pode ser enviada. O Ocidente, por mais que tenha pressionado em favor da soberania ucraniana, não conseguiu derrotar a Rússia e, mais preocupante, parece já ter atingido o limite de seu envolvimento direto. Fica claro que as potências ocidentais não estão dispostas a arriscar uma guerra total com a Rússia, o que abre espaço para uma nova dinâmica internacional.
Nesse contexto, países fora da esfera ocidental têm se mostrado mais dispostos a negociar ou até mesmo intervir. A Turquia, por exemplo, tem desempenhado um papel crucial na mediação de corredores humanitários e na facilitação de negociações, como a Iniciativa de Grãos do Mar Negro. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos têm contribuído com trocas de prisioneiros e buscaram reunir dezenas de países em busca de uma resolução pacífica. A China, por sua vez, não só tem fornecido tecnologias militares para a Rússia, como também está atenta ao aprendizado que a guerra pode proporcionar em termos de capacidades militares. Enquanto isso, o Irã, aliado fundamental de Moscou, tem intensificado sua cooperação militar, fornecendo drones de ataque e mísseis.
Esses esforços diplomáticos de países não europeus não devem ser vistos apenas como tentativas altruístas de paz, mas também como uma estratégia para posicionar essas nações no centro das futuras negociações globais. A Ucrânia, após a guerra, será o palco de disputas de poder sobre sua reconstrução e seu papel no novo equilíbrio internacional.
A Dimensão Militar: As Potências Não Europeias Assumem o Controle
Enquanto a diplomacia gira em torno de planos de paz que muitas vezes não avançam, o apoio militar à Rússia se torna cada vez mais visível e concreto. A China tem fornecido componentes cruciais para a indústria de defesa russa, enquanto o Irã tem sido um fornecedor constante de drones e mísseis. Além disso, a Coreia do Norte, após anos de isolamento, tem se mostrado uma das maiores fontes de apoio à Rússia, fornecendo desde munições até tropas, uma medida que acelera a escalada do conflito.
É importante notar que, para essas potências, o envolvimento na guerra da Ucrânia não se limita a uma questão de apoio à Rússia, mas envolve a preparação para conflitos futuros. A China, por exemplo, está observando atentamente a utilização de drones e de sistemas como o HIMARS, que poderão ser cruciais em um eventual confronto sobre Taiwan. O Irã, por sua vez, está coletando tecnologia ocidental capturada na Ucrânia para possíveis inovações em seus próprios programas militares.
A Transformação da Europa: O Passado de Projeção de Poder Agora Sob Olhares Externos
Historicamente, a Europa tem sido o centro das grandes potências militares globais. Desde as colônias até as intervenções no Oriente Médio e na África, a presença militar europeia foi uma constante ao longo dos séculos. No entanto, essa realidade está sendo desafiada. À medida que a guerra na Ucrânia se internacionaliza, é cada vez mais evidente que potências não europeias estão se tornando protagonistas de uma nova ordem geopolítica. A Rússia, ao buscar apoio fora da Europa, está criando novas dinâmicas que questionam o papel tradicional da Europa como centro de decisões globais.
A principal lição da guerra na Ucrânia é clara: a Europa, por séculos vista como o epicentro das disputas internacionais, agora se vê não mais como a protagonista, mas como um palco onde as potências globais se enfrentam. Os Estados Unidos e a Europa terão que se acostumar com essa nova realidade, onde potências como China, Irã e Coreia do Norte não só têm influência direta no campo de batalha, mas também nas futuras negociações de paz.
A guerra na Ucrânia não é apenas uma disputa por território, mas uma reconfiguração da ordem global. Se a Rússia começar a buscar uma saída do conflito, os países fora da Europa provavelmente terão um papel vital nas negociações. O grande desafio será equilibrar as necessidades da Ucrânia com as ambições das potências externas. E, enquanto isso, o mundo observa atentamente o que acontecerá no coração da Europa.
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