Rodolfo Queiroz Laterza
Embora a tática russa nas batalhas de Donbass se concentre em promover cercos graduais a determinados assentamentos levando em consideração fatores diversos como concentração de tropas ucraniana, rotas logísticas e fortificações estabelecidas em pontos de implantação permanente ou temporária, com emprego do menor efetivo possível e empregando o máximo de sistemas de artilharia. As forças russas e seus aliados separatistas têm empregado nos avanços em diferentes áreas ao longo front de Donbass algumas unidades que têm sido determinantes para as capturas de assentamentos e cidades. São as unidades que compõem os intitulados “Grupo Brave” e “Batalhão Somália”, cada qual com peculiaridades na formação e atuação nos diferentes combates verificados na Guerra da Ucrânia
Não será analisado neste artigo detalhes políticos ou ideológicos que envolvem o emprego destas unidades russas no conflito militar da Ucrânia, atendo -se a análise ao aspecto estritamente militar e suas consequências no teatro de operações.
O ENIGMÁTICO “GRUPO BRAVE”
Associado ao signo tático-militar da letra “O”, as unidades russas assim marcadas participaram do conflito militar na Ucrânia desde o início em 24/02, mas permaneceram nas sombras, operando furtivamente até o início de maio. Sob este signo tático e rotulado como Brave, opera o agrupamento de reconhecimento, sabotagem e operações especiais do Distrito Militar Central, que, como resultado da redistribuição no início de maio Brave foi transferido para a região de Kharkov para conter a contra-ofensiva ucraniana naquela mesma época. Essas forças bloquearam a frente na direção de Kharkov, impedindo as forças ucranianas de levantar reservas para ajudar o grupamento Donbass das Forças Armadas da Ucrânia.
Desde o final de maio, após a consolidação das forças russas no eixo de Izium, o Grupo Brave está conduzindo uma ofensiva na área de Donbass, sendo empregado em batalhas urbanas e foi essencial nos combates que culminaram nas capturas de Yampol e Krasny Liman em maio, visando cercar a aglomeração Slavyansk-Kramatorsk do nordeste. Também participaram da batalha pelo controle do assentamento de Lozovoe, na região de Donetsk, rompendo as complexas linhas de defesa ucranianas.
Em 10 de julho, o grupo “Brave” capturou grande efetivo de militares ucranianos em Lisichansk, além de grande quantidade de armas antitanque de origem ocidental. As forças especiais do Grupo Brave também conseguiram destruir um grande grupo de sabotagem das Forças Armadas da Ucrânia e vários esconderijos com armas da OTAN na área de Volcheyarovka.
Embora atuem com foco no reconhecimento, sabotagem e ações de comandos atrás das linhas inimigas, as habilidades dos membros do Brave incluem assaltos aeromóveis com helicópteros como Mi-28N e Ka-52 e coordenação de vários tipos de operações. O “Brave”, além de atuarem como uma força de elite, também opera como um BTG e tem equipamento, bases logísticas e de apoio próprios. Em meados de maio, os integrantes do grupo “Brave” estavam entre as primeiras unidades a receber BMPT Terminator.
Uma parte significativa do trabalho de combate do grupo “Brave” é a busca e captura de militares ucranianos que tenham acesso direto a documentos secretos das Forças Armadas da Ucrânia, planos de comando e outras informações importantes. O grupo Brave” é considerado um dos líderes informais em termos de número de prisioneiros, especialmente de unidades como a 79ª Brigada de Assalto Aeroterrestre das Forças Armadas da Ucrânia. Desde o início do conflito, com o apoio do grupo “Brave”, 274 combatentes foram capturadas daquela unidade ucraniana, incluindo várias dezenas de oficiais.
O grupo “Brave” também possui uma inovação – a tática de “cunhas de tiro”, quando as tropas ucranianas em retirada são cercadas pelo flanco e são destruídos os restos de veículos blindados. Essa tática acabou sendo especialmente eficaz durante a operação de limpeza de Lisichansk e Severodonetsk, quando as unidades em retirada das Forças Armadas da Ucrânia foram cortadas em duas por um golpe repentino, que, para maior eficiência, foi desferido ao amanhecer, quando havia fuga.
Pelas ações empreendidas com êxito, em 5 de julho, o Ministério da Defesa da Federação Russa publicou imagens da premiação de militares do grupo “Brave”. Os prêmios foram entregues pelo coronel-general Alexander Lapin, sob cujo comando este agrupamento se destacou em várias operações importantes, dentre as quais as citadas acima.
BATALHÃO “SOMALIA”
Em 24 de fevereiro de 2014, no início dos conflitos em Donbass, foram organizadas unidades armadas, uma mais imprudente que a outra. Cidadãos, mineiros e metalúrgicos, se armaram e varreram a região em diferentes partes do front. Uma destas divisões veio a ser o futuro batalhão infantaria motorizado de guardas separados, a unidade militar 08828, posteriormente, integrante das Forças Armadas da entidade estatal (internacionalmente não reconhecida) República Popular de Donetsk, vindo a ser conhecido como “Somalia”, por situação inusitada: em Ilovaisk, os integrantes desta unidade eram comparados a piratas somalis africanos por trajarem vestimentas sujas de combustível e lubrificantes, armados com metralhadoras capturadas e correrem para a batalha aos gritos.
Durante as batalhas ocorridas em Donbass, durante o ano de 2014, o batalhão “Somali”, teve dois comandantes polêmicos, bem conhecidos nas redes sociais , conhecidos como “Givi” e “Motorola” (posteriormente mortos em ações de sabotagem até hoje não esclarecidas), que participaram de várias ações: a tomada da cidade de Ilovaisk, romperam o bloqueio entre Gorlovka e Donetsk, limparam a vila de Nizhnyaya Krynka e participaram da difícil e longa Batalha do Aeroporto de Donetsk. Depois que os combates pelo aeroporto de Donetsk diminuíram, os Somalis foram transferidos para o sul da RPD para realizar tarefas de defesa nas fronteiras do sul.
Mais tarde, quando a unidade se glorificou nas batalhas pelo aeroporto de Donetsk, voluntários da Rússia e de outras regiões da Ucrânia (principalmente de Kharkov) aderiram ao Batalhão “Somalia”, além de cidadãos das repúblicas da Ásia Central e da Crimeia. Outra característica é que muitas mulheres serviram no batalhão. A maioria delas trabalhava na retaguarda, nos postos de comando, atuando em patrulha ou em postos de controle.
O batalhão conta com blindados de combate T-64 e T-72 , BMP-1 , BTR-70 , MT-LB e BRDM-2 , além de artilharia auxiliar, morteiros e veículos de transporte. Parte está permanentemente implantada em Donetsk e Makeevka.
O atual comandante é Timur Kurilkin.
Na guerra da Ucrânia, o batalhão de Donetsk “Somália” participou do cerco e assalto à zona industrial “Azovstal”, em Mariupol, sendo transferido no final de abril para a região de Donetsk, onde participa ativamente das batalhas pela liberação de Marynka Pesky e Avdiivka, grandes fortificações ucranianas subjacentes à cidade de Donetsk.
Suas ações táticas envolvem manobras de cerco para ruptura posterior e gradativa das linhas de defesa ucranianas após maciços bombardeios prévios com sistemas de artilharia. É desconhecido seu efetivo real, porém bem superior ao número de soldados de um BTG típico russo, que possui em torno de 600 combatentes.
Imagem de Destaque: https://www.theguardian.com/world/2022/may/20/russia-may-scrap-age-limits-for-soldiers-to-bolster-ukraine-invasion-force
Autor: Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública
Fontes consultadas:
www.life.ru
www.politik.su
www.newsland.com
https://www.donetsk.kp.ru/daily/27374.5/4567430/
Šmíd, Tomáš & Šmídová, Alexandra. (2021). Anti-government Non-state Armed Actors in the Conflict in Eastern Ukraine. Czech Journal of International Relations, Volume 56, Issue 2. pp.45-46.
Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública