Os desafios da Defesa americana para fazer frente a Rússia e China

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“A guerra que se aproxima será uma guerra tecnológica. Os maiores inovadores do país sentem que há um enorme descompasso entre o que o ecossistema militar dos EUA pode produzir e o que seria possível se envolvêssemos civis no desenvolvimento de sistemas de armas para tecnologias críticas… A única solução é terceirizar o desenvolvimento de sistemas de armas avançados para fora dos serviços tradicionais e do ecossistema governamental, transferindo esse desenvolvimento para os civis.”

— Vannevar Bush ao Presidente Roosevelt em 1940

Em recente artigo escrito por Steve Blank, no site War on the Rocks, uma reflexão levanta a questão de ajustes na Defesa americana. Em perspectiva histórica e técnica, o autor traz a necessidade de transformação em termos de tecnologia no âmbito da defesa dos Estados Unidos, com base no modelo histórico da Office of Scientific Research and Development (OSRD).

Criada em 1941, sob a liderança de Vannevar Bush, a OSRD foi um marco na integração entre ciência, engenharia e planejamento estratégico militar, permitindo aos Estados Unidos desenvolver, em ritmo acelerado, tecnologias decisivas durante a Segunda Guerra Mundial. Este modelo histórico é tomado como referência para enfrentar os desafios do século XXI, caracterizados por uma corrida tecnológica intensificada e uma competição global com potências emergentes, como China e Rússia.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o aparato militar tradicional dos Estados Unidos revelou-se inadequado para lidar com as crescentes demandas tecnológicas do conflito. A estrutura hierárquica do Departamento de Defesa (DoD) e suas rígidas burocracias limitavam a capacidade de inovação e adaptação. Reconhecendo essa lacuna, Vannevar Bush e seus colegas propuseram um modelo de operação descentralizado, no qual cientistas civis e engenheiros do setor privado trabalhariam em conjunto com as forças armadas. Esse esforço resultou em inovações estratégicas, como o radar, os fusíveis de proximidade, sistemas de guerra eletrônica e, mais notoriamente, o Projeto Manhattan, que desenvolveu as primeiras armas nucleares.

O artigo Blank destaca que o contexto atual apresenta paralelos históricos significativos, mas com desafios amplificados. Diferentemente da Segunda Guerra Mundial, onde o avanço tecnológico era liderado por Estados-nação, o desenvolvimento contemporâneo de tecnologias críticas está cada vez mais concentrado no setor privado, impulsionado por startups, empresas de capital de risco e corporações de tecnologia. Exemplos como SpaceX, Anduril e Palantir demonstram que a capacidade de inovação e produção rápida não está mais limitada às tradicionais empresas contratantes de defesa. No entanto, o DoD continua estruturado para um modelo de desenvolvimento de longo prazo, com processos de aquisição marcados por ineficiência e lentidão, tornando-o incapaz de responder à velocidade das mudanças tecnológicas globais.

Nesse cenário, a proposta do artigo de criar uma nova “Office of Rapid Development and Deployment” (ORDD) busca adaptar o modelo da OSRD aos desafios contemporâneos. Essa nova entidade seria projetada para operar com autonomia do sistema tradicional do DoD, priorizando agilidade, inovação e integração direta com as necessidades do campo de batalha. Inspirada nos sucessos do passado, a ORDD teria as seguintes características centrais:

  1. Autonomia Operacional e Flexibilidade Tática
    A ORDD teria a capacidade de identificar problemas diretamente nos comandos de combate e desenvolver soluções rápidas. Representantes da entidade seriam alocados junto aos comandos militares, permitindo uma compreensão profunda das necessidades operacionais e uma priorização eficiente dos desafios mais críticos. Essa abordagem lembra a forma como a OSRD trabalhou durante a Segunda Guerra Mundial, respondendo rapidamente às demandas do campo de batalha com inovações práticas.
  2. Integração Público-Privada e Incentivos ao Setor Privado
    O modelo proposto enfatiza a colaboração entre startups tecnológicas, fundos de investimento de risco e grandes empresas de defesa. Contratos de produção garantidos, combinados com incentivos fiscais, seriam utilizados para atrair a participação de empresas privadas. Essa parceria permitiria combinar a agilidade e criatividade das startups com a capacidade de escala e experiência dos grandes contratantes tradicionais, como Lockheed Martin e Northrop Grumman. Essa convergência também é vista como uma resposta ao monopólio tecnológico de grandes contratantes, que frequentemente priorizam interesses próprios em detrimento da inovação.
  3. Ciclo de Vida Tecnológico Reduzido
    Diferentemente do sistema atual, que frequentemente exige décadas para o desenvolvimento e implementação de sistemas de defesa, a ORDD focaria em tecnologias com ciclos de vida curtos, entre três e dez anos. Essa abordagem reconhece a necessidade de adaptação rápida às mudanças no ambiente estratégico, como avanços na inteligência artificial, drones e cibersegurança.
  4. Reestruturação do Papel dos Laboratórios de Pesquisa Militar
    O artigo sugere que os laboratórios militares e centros de pesquisa financiados pelo governo se concentrem em projetos de longo prazo e desenvolvimento de tecnologias que o setor privado não consiga abordar eficientemente, como pesquisas fundamentais e sistemas de armamentos extremamente complexos. Essa divisão permitiria otimizar recursos, com o setor privado assumindo projetos de curto e médio prazo, enquanto os esforços públicos seriam direcionados a inovações de impacto estratégico de longo prazo.

A proposta, apesar de sua viabilidade técnica, enfrenta desafios significativos. O primeiro é a resistência institucional. O modelo atual de aquisição de defesa é dominado por grandes contratantes que exercem considerável influência política. Além disso, a polarização política nos Estados Unidos dificulta a obtenção de consenso para reformas estruturais. Outro ponto sensível envolve questões de soberania e controle estatal, considerando o risco de dependência excessiva de empresas privadas para tecnologias críticas.

Do ponto de vista histórico-militar, a proposta apresenta paralelos claros com a transformação promovida pela OSRD durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, o sucesso de tal iniciativa depende de uma liderança eficaz. O artigo sugere nomes como Elon Musk e Raj Shah, que simbolizam inovação e capacidade de ruptura com paradigmas tradicionais. Contudo, a escolha desses líderes também traz riscos, dada a natureza polarizadora e o estilo de gestão associado a essas figuras.

Concluindo, a proposta do artigo representa uma tentativa de equilibrar inovação tecnológica com necessidades estratégicas de defesa. Ela reconhece que o cenário atual exige soluções mais ágeis e integradas, aproveitando o potencial do setor privado para enfrentar ameaças globais emergentes. Sob uma perspectiva técnico-histórica, a criação da ORDD oferece um caminho viável para restaurar a vantagem tecnológica dos Estados Unidos, mas também expõe os desafios inerentes a reformas em estruturas profundamente enraizadas. A implementação bem-sucedida dependerá de uma combinação de visão estratégica, vontade política e habilidade em conciliar os interesses de múltiplos atores, públicos e privados, em um sistema dinâmico e globalizado.

Artigo original: How to Fix a Broken Defense Department to Beat China and Russia – War on the Rocks

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