Os últimos desdobramentos do processo de paz para o conflito russo-ucraniano: há uma lógica no caos?

de

Marco Antonio de Freitas Coutinho

As últimas semanas haviam sido difíceis para Kiev. 

De uma perspectiva na qual a Ucrânia teria uma possibilidade de vencer com o apoio dos EUA, nutrida desde fevereiro de 2022, com o início da invasão em larga escala russa, sofreu uma guinada brusca após a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

Entretanto, com os desdobramentos na Conferência de Munique e as falas dos representantes do novo governo Trump, nomeadamente de Pete Heghset (Secretário de Defesa), de Marco Rubio (Secretário de Estado) e do Vice-Presidente JD Vance, a perspectiva de Zelensky passou a ser a de que uma “Vitória” teria que ser obtida sem o apoio dos EUA. 

O próprio Trump descartou a adesão da Ucrânia à OTAN. Isso sem falar na relutância do presidente norte-americano em fornecer garantias de segurança, o que cria um dilema para a Ucrânia e seus aliados europeus, que provavelmente relutariam em se comprometer a fazer cumprir um acordo de paz, sem contar com um claro apoio de Washington.

Neste contexto, o presidente Zelensky concordou, a muito contragosto, com os termos gerais de um Acordo de Minerais que vinha sendo proposto por Trump e, neste sentido, confirmou presença na Casa Branca para tentar redefinir seu relacionamento com o presidente Trump, enquanto os EUA pressionavam por negociações rápidas sobre o destino de seu país. 

Mas isso veio depois de algumas complicações pelo caminho: Zelensky se recusara a assinar a versão inicial do acordo de direitos minerais sem garantias de segurança, afirmando que Trump vivia numa bolha de desinformação. Pelo seu lado, Trump retribuiu a “gentileza”, qualificando Zelensky como um “ditador sem eleições”. 

O ambiente estava claramente raivoso, mas os assessores de ambos os lados julgaram que uma foto de um aperto de mão à frente da lareira do Salão Oval seria uma boa ideia, e uma reunião foi agendada para o dia 28 de fevereiro passado.

Mas de onde surgiu essa ideia de se celebrar um Acordo Econômico envolvendo as riquezas minerais ucranianas? 

Para entender isso, teremos que retornar ao ano de 2024, quando Zelensky elaborou e tentou vender, sem sucesso, o seu chamado “Plano para a Vitória”. 

Em setembro de 2024, em plena campanha eleitoral nos EUA, o Presidente ucraniano esteve pessoalmente na Casa Branca entregando o referido plano para Biden e Kamala Harris. 

Mas não foi só isso. No dia 27 de setembro de 2024, Zelensky esteve na Trump Tower, onde também entregou uma via do seu plano para o então candidato Trump.

E o que estava sendo apresentado por Zelensky nesse plano? A Figura abaixo mostra, em linhas gerais, os 5 pontos que balizavam o Plano para a Vitória do presidente ucraniano.

Sem entrarmos em mais detalhes sobre cada ponto, o fato é que o Plano para Vitória de Zelensky não foi comprado por nenhum dos líderes aliados, e até mesmo esquecido por todos, inclusive pela imprensa. 

Mas não por Trump. E o atual presidente dos EUA se interessou muito sobre um ponto em particular: o quarto ponto, que tratava da venda do potencial econômico estratégico ucraniano. 

Esse ponto estabelecia que a Ucrânia cederia a exploração de seu potencial de riquezas minerais, em troca de apoio econômico, na guerra e no pós-guerra. Era o que Zelensky denominou à época de “Acordo Especial para a Proteção Conjunta dos Recursos Críticos”. Isso envolveria, segundo o próprio Zelensky, recursos naturais e metais críticos no valor de trilhões de dólares americanos, e incluiria jazidas de urânio, titânio, lítio, grafite e outras terras raras. 

Em que pese Trump já ter adiantado que não apoiará a adesão ucraniana à OTAN, e que o apoio militar e demais garantias de segurança deverão ser fornecidos pelos europeus, ele não se esqueceu do quarto ponto, o Acordos dos Minerais, e voltou a esse tema assim que pode.

E é muito provável que Zelensky tenha ficado numa situação bastante delicada quando Trump ressuscitou esse tema, não podendo dizer não para uma ideia que foi sua. 

Bem, dito isso, voltaremos ao encontro na Casa Branca, onde Zelensky e Trump deveriam acompanhar a assinatura do dito Acordo de Minerais.

Lembramos que a referida reunião foi precedida por uma visita ineficaz de Emmanuel Macron, presidente da França, e na véspera, por uma visita do habilidoso Primeiro-Ministro Britânico Keir Starmer. 

É sabido que Macron saiu de mãos vazias. Entretanto, Starmer, que engoliu sapos ao lado de Trump e Vance, aparentemente conseguiu se colocar como um interlocutor a ser ouvido quando Trump se dispusesse a conversar com a Europa. 

Destaca-se que Starmer havia recebido Zelensky para uma reunião, antes de partir para Washington. Certamente, alguns pontos devem ter sido combinados para as conversas que se seguiriam com Trump.

No dia 28 de fevereiro passado, em pleno Salão Oval, a reunião prometia ser um momento de acomodação entre as ideias de Trump e as demandas de Zelensky, por meio da assinatura do Acordo de Minerais. Nem que fosse apenas à frente das câmeras. 

Mas o que se viu foi uma explosão de ressentimentos na presença da imprensa de todo o mundo, discussão iniciada com ponderações ríspidas de Zelensky quanto ao que acabavam de declarar Trump e Vance. Após momentos de grande constrangimento, Trump determinou a Zelensky que deixasse a Casa Branca, sem almoço e sem acordo. E ameaçou suspender o apoio norte-americano à Ucrânia. Um desastre diplomático histórico.

A perspectiva ucraniana, após o ocorrido, já nem poderia ser mais a de travar uma guerra “sem os EUA”, o que por si só já seria um pesadelo. A perspectiva seria muito pior: uma guerra “apesar dos EUA”, com Trump retaliando a rebeldia de Zelensky, passando a adotar uma atitude de “remar contra”, até mesmo suspendendo qualquer tipo de apoio às tropas da Ucrânia.

O habilidoso Starmer e o tradicional serviço diplomático britânico podem ter visto nessa crise uma oportunidade do Reino Unido assumir uma posição de liderança, seja frente à Zelensky, seja em relação à atordoada Europa e, particularmente, frente à Trump, aproveitando o fato de que seu país é um tradicional membro dos “five eyes”, o fechado grupo dos aliados mais íntimos dos norte-americanos.

E neste sentido, Starmer agiu rápido.

Starmer se reuniu logo no domingo seguinte ao desastre da Casa Branca com os líderes da Ucrânia, França, Alemanha, Dinamarca, Itália, Holanda, Noruega, Polônia, Espanha, Canadá, Finlândia, Suécia, República Tcheca e Romênia. 

Ressalta-se que antes ele teve uma conversa em separado com a conservadora Giorgia Meloni (PM da Itália), que é a mais alinhada aliada de Trump na UE.

Para evitar posições mais incendiárias que pudessem inflamar o temperamento de Zelensky, Starmer excluiu das conversas os líderes dos radicais anti-russos dos países bálticos. Perguntado sobre isso, Starmer disse aos repórteres que apenas ligou para eles. Manteve a Polônia, outra radical, mas que tem um presidente conservador e também com boa sintonia com Trump.

Podemos extrair os sete principais pontos extraídos das falas de Starmer na referida reunião com os líderes convidados:

1. Ele declarou que a estratégia de ação, a ser liderada pelo Reino Unido, foi discutida com Trump numa ligação telefônica na noite anterior à reunião. Com isso ele estaria acalmando os ânimos de seus parceiros, no sentido de que um rompimento brusco com Trump não aconteceria. Ao ser questionado pela imprensa sobre qual teria sido a resposta dos EUA ao que ele estaria propondo, Starmer disse que não trataria disso publicamente. Starmer declarou sobre isso: “Olha, falei com o presidente Trump ontem à noite. Eu não vou passar pelos detalhes dessa conversa, mas eu não estaria dando esse passo por esse caminho se eu não achasse que era algo que produziria um resultado positivo em termos de garantir que nos movamos juntos – Ucrânia, Europa, Reino Unido e EUA – juntos em direção a uma paz duradoura”.

2. Starmer disse ainda que “uma série de Países” indicaram que estavam dispostos a se juntar à coalizão para apoio ao processo de paz, mas diz que cabe a cada um deles anunciar isso. Observem que ele falou coalizão, e não mais forças de manutenção da paz. Isso não é apenas um detalhe, pois sabidamente uma tropa europeia na Ucrânia é um tema espinhoso na negociação, seja com Trump, seja com Putin.

3. Ele afirmou que compreende a posição de países que “não queiram contribuir dessa maneira”, mas acredita que é necessário “avançar” e “obter algum impulso” para as negociações de paz. Certamente, esse foi um recado para os mais radicais, tais quais os países bálticos, mas também ao próprio Zelensky.

4. Starmer disse que o objetivo das garantias de segurança que está montando para a Ucrânia seria o de chegar à paz e evitar mais conflitos. Ele complementou: “Não quero conflito na Ucrânia, na Europa, e certamente não no Reino Unido. Quero estabilidade no Reino Unido. A maneira de garantir essa estabilidade é garantir que sejamos capazes de defender um acordo na Ucrânia, porque a única coisa que nossa história nos diz é que, se houver conflito na Europa, ele chegará às nossas costas.”

5. Num esforço de conter a fritura que a imprensa internacional já preparava para Trump, Starmer rejeitou categoricamente a sugestão de que os EUA agora são um “aliado não confiável” e diz que tem sido um “aliado confiável por muitas e muitas décadas e continua sendo”.

6. Ele afirmou que as conversas tratadas na reunião seriam a base de um esforço conjunto entre a Europa e os EUA. 

7. Afirmou ainda que os líderes reunidos concordaram que se reunirão novamente muito em breve para manter o ritmo dessas ações e continuar trabalhando em direção a esse plano compartilhado. Starmer concluiu: “Estamos em uma encruzilhada na história hoje. Este não é um momento para mais conversa. É hora de agir.”

Ainda é totalmente incerto se com esses pontos Starmer possa salvar o processo de paz de Trump, que certamente cairia por terra após o desastre no Salão Oval. Também ainda seria prematuro apostar que essa estratégia garantiria uma posição forte para a Europa na mesa de negociação.

Sobre qual seria o escopo da proposta de negociação de Starmer, a sua abrangência, a possibilidade de concordância de Trump, e mesmo a reação de Putin frente a essa nova realidade na negociação, só o tempo dirá.

Mas talvez haja uma lógica por detrás desses movimentos de Starmer e, talvez, o objetivo do Primeiro-Ministro Britânico seja bem mais pragmático: evitar que Trump cancele totalmente o apoio à Ucrânia, numa retaliação ao comportamento de Zelensky à frente das câmeras. O objetivo também poderia ser o de ganhar um tempo para reunir forças e recursos europeus para apoiar Zelensky. 

Uma guerra “apesar dos EUA”, que seria a tendência mais provável depois do desastre da Casa Branca, representaria o fim para qualquer possibilidade das forças militares ucranianas resistirem a uma eventual ofensiva de primavera russa em 2025.

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