Em recente artigo dos analistas David Barno e Nora Bensahel, publicado no portal War on the Rocks, levanta-se a discussão dos desafios que os Estados Unidos enfrentariam em um cenário de guerra prolongada contra adversários militarmente avançados, como a China ou a Rússia. Com base nas lições extraídas da guerra na Ucrânia, os autores argumentam que os EUA devem abandonar a crença em guerras rápidas e decisivas, revisando sua estratégia para incluir conflitos de longa duração que exigem preparação militar, econômica e social muito mais abrangente. Abordagem essa que desafia pressupostos tradicionais da política de defesa americana e apresenta questões críticas sobre a prontidão militar, a base industrial de defesa, a logística e a resiliência doméstica.
Historicamente, os EUA confiaram em sua capacidade de mobilizar rapidamente recursos e tecnologia para vencer guerras em um curto período. No entanto, essa abordagem tem se mostrado limitada quando confrontada com conflitos prolongados, como na Ucrânia, onde a guerra se tornou um esforço de resistência sustentado e de altíssimo custo. Barno e Bensahel destacam que adversários como a China possuem estratégias militares que visam desgastar os recursos dos EUA e explorar vulnerabilidades estruturais. Portanto, o foco exclusivo em guerras rápidas e decisivas não apenas subestima a complexidade dos conflitos modernos, mas também expõe fragilidades estratégicas dos EUA.
Um dos aspectos mais críticos discutidos é a incapacidade do atual modelo de força voluntária de lidar com uma guerra prolongada. O sistema de recrutamento e mobilização dos EUA, projetado para conflitos de curta duração, enfrenta sérias limitações. Embora a reserva militar e a Guarda Nacional representem os primeiros níveis de reforço, sua prontidão e capacidade de integração com as forças ativas têm sido questionadas. Os autores sugerem que, em um conflito prolongado, os EUA poderiam ser forçados a reintroduzir o alistamento obrigatório, algo que não ocorre desde a Guerra do Vietnã. Apesar de impopular, tal medida seria essencial para sustentar uma força militar em guerra por anos, especialmente em um cenário de múltiplas frentes. No entanto, a infraestrutura para treinar e mobilizar recrutas em larga escala está atualmente inadequada, exigindo investimentos substanciais e planejamento estratégico.
A logística é outro ponto central da análise. Os EUA enfrentariam enormes desafios logísticos em uma guerra prolongada, especialmente devido à sua dependência de cadeias de suprimento globais e ao fato de que muitos teatros de guerra potenciais estão distantes do território americano. Longas cadeias de suprimento são vulneráveis a ataques de adversários tecnologicamente avançados, incluindo sabotagem cibernética e física. A guerra na Ucrânia já demonstrou como as cadeias logísticas podem ser estressadas em situações de alto consumo de recursos. Os autores alertam que, em um conflito contra potências como a China, a logística americana poderia ser ainda mais pressionada, colocando em risco a capacidade de sustentar operações prolongadas.
Barno e Bensahel sugerem medidas inovadoras para mitigar essas vulnerabilidades, incluindo o pré-posicionamento de suprimentos em regiões estratégicas e o uso de tecnologias como a impressão 3D para produção local de peças e equipamentos. Eles também enfatizam a importância de alianças internacionais para dividir o ônus logístico, destacando que parceiros como a Austrália poderiam desempenhar papéis cruciais na produção e armazenamento de materiais de guerra.
A base industrial de defesa dos EUA é outro elemento apontado como uma fraqueza significativa em um cenário de guerra prolongada. Os autores ressaltam que, embora os EUA tenham aumentado a produção de munições e equipamentos após o início da guerra na Ucrânia, a capacidade atual ainda está muito aquém das necessidades que surgiriam em um conflito contra um adversário como a China. Antes da guerra na Ucrânia, os EUA produziam apenas 14 mil projéteis de artilharia de 155 mm por mês, enquanto a Ucrânia consumia até 8 mil desses projéteis por dia. Esse descompasso expõe a necessidade urgente de expandir a capacidade industrial de defesa. Além disso, a redução da construção naval nos últimos anos, com apenas quatro estaleiros ativos no país, representa um risco crítico em um cenário de guerra naval prolongada, especialmente no Pacífico.
A colaboração com aliados é vista como uma solução prática e estratégica para superar algumas dessas limitações. Parcerias para aumentar a produção de equipamentos e munições perto dos teatros de guerra podem aliviar as pressões logísticas e industriais. Por exemplo, a Austrália já está sendo considerada como um parceiro potencial para expandir a produção de munições, enquanto estaleiros sul-coreanos poderiam ajudar na construção de navios de guerra. No entanto, essas soluções enfrentam barreiras políticas e legais que precisam ser resolvidas rapidamente.
Outro tema frequentemente negligenciado, mas crucial, é a defesa do território continental dos EUA em um conflito prolongado. Os autores destacam que, diferentemente das guerras anteriores, adversários modernos poderiam atacar diretamente a infraestrutura crítica dos EUA, incluindo redes elétricas, sistemas de transporte e comunicações. Ataques cibernéticos são considerados uma ameaça particularmente grave, com potencial para causar danos significativos à capacidade de mobilização militar e à economia. Nesse contexto, a integração entre forças militares, governos locais e o setor privado torna-se essencial para garantir a resiliência doméstica.
Por fim, os autores concluem com uma série de recomendações para os EUA se prepararem para cenários de guerra prolongada. Essas incluem a atualização de planos de mobilização, a modernização da base industrial de defesa, o fortalecimento da infraestrutura logística e o aumento da colaboração com aliados. Além disso, eles destacam a importância de preparar a sociedade americana para os sacrifícios associados a conflitos de longa duração, uma tarefa que requer lideranças políticas comprometidas e um esforço conjunto entre governo e sociedade.
O texto de Barno e Bensahel é uma análise profunda e bem fundamentada que levanta questões essenciais sobre a prontidão dos EUA para enfrentar guerras prolongadas no século XXI. Embora algumas premissas, como a inevitabilidade de um conflito prolongado ou a viabilidade política do alistamento obrigatório, sejam controversas, a mensagem principal é clara: os EUA precisam repensar sua estratégia de defesa para evitar serem pegos despreparados em um futuro conflito global. O artigo serve como um alerta importante, destacando a necessidade de planejamento estratégico, visão de longo prazo e investimentos sustentados para garantir a segurança e a capacidade de resposta do país diante de ameaças complexas e crescentes.
Texto original: America is Not Prepared for a Protracted War – War on the Rocks