Artigo publicado recentemente pela BBC traz uma análise contextualizada sobre uma crise de segurança no Ocidente. Para o correspondente da emissora Allan Little, esta é a crise mais grave para a segurança ocidental desde o fim da Segunda Guerra Mundial — e uma que promete perdurar. Especialistas ainda citam que “o trumpismo sobreviverá à sua presidência”. Mas quais nações estão preparadas para assumir a liderança enquanto os EUA recuam?
O legado de Truman e o nascimento da ordem ocidental
Em fevereiro de 1947, o embaixador britânico em Washington entregou ao secretário de Estado americano, George Marshall, duas mensagens diplomáticas: o Reino Unido, exausto e endividado, anunciou que não poderia mais sustentar a Grécia contra uma insurgência comunista. Os EUA, reconhecendo o risco de uma queda grega — e, por tabela, da Turquia — sob influência soviética, intervieram.
Assim nasceu a Doutrina Truman, consolidada com o Plano Marshall e a criação da OTAN em 1949. Era o momento em que os EUA, antes isolacionistas, assumiam a liderança do mundo livre. Por décadas, moldaram a ordem global em sua imagem, garantindo segurança à Europa e promovendo democracia.
Trump e o fim da garantia americana
Donald Trump é o primeiro presidente desde 1945 a desafiar esse papel. Sua retórica contra a OTAN não é nova: já em 1987, ele criticava aliados por “não pagarem” pela proteção dos EUA. Agora, sua administração vai além:
- Abandono do compromisso com a OTAN: Trump declarou que não defenderá aliados que não cumpram metas de gastos militares.
- Aproximação com Putin: Ele sinalizou que a Ucrânia não entrará na OTAN e que não recuperará territórios perdidos para a Rússia — sem exigir nada em troca.
- Cultura wars na política externa: A segurança europeia tornou-se refém da polarização interna americana, com figuras como o vice JD Vance chamando a Europa de “parasita” em vazamentos.
A OTAN em crise: “O Artigo 5 está em suporte de vida”
O Artigo 5 — cláusula de defesa mútua da OTAN — já não parece seguro. Ben Wallace, ex-ministro da Defesa britânico, alerta: “Não apostaria minha casa que os EUA interviriam se a Rússia atacasse um aliado”. Pesquisas mostram que até na França e no Reino Unido, tradicionais aliados, a desconfiança em relação aos EUA cresceu.
Robert Kagan, analista conservador, resume: “O dano de Trump à OTAN é irreparável. A garantia americana não é mais confiável”.
A Europa despreparada: “Esqueceram as lições da história”
A dependência europeia dos EUA deixou o continente vulnerável:
- Cortes drásticos: O Reino Unido reduziu gastos militares em 70% desde o auge da Guerra Fria. A Alemanha, apesar de prometer aumentar investimentos, ainda patina.
- Falta de recrutamento: “Os jovens não querem se alistar”, diz Wallace.
- Divisões internas: Enquanto o Leste Europeu pressiona por mais defesa, países como Itália e Espanha resistem.
O sonho (distante) de uma Europa autônoma
Especialistas defendem que a Europa precisa criar sua própria base industrial-militar, capaz de substituir capacidades críticas hoje monopolizadas pelos EUA (como satélites e defesa antimísseis). Mas os obstáculos são imensos:
- Interesses nacionais: França e Alemanha divergem sobre como integrar forças.
- Tempo limitado: “Em alguns meses, os EUA podem retirar tropas”, alerta Armida van Rij, do Chatham House.
O novo (des)ordem mundial
Trump e Putin parecem compartilhar uma visão de mundo onde grandes potências dominam esferas de influência, ignorando leis internacionais. Se a OTAN vacilar, a Europa pode ser empurrada de volta a um sistema de balanço de poder — como no século XIX, mas com uma Rússia revanchista e uma China ascendente.
O desafio europeu é claro: unir-se, investir na própria defesa e evitar ser absorvida por alguma esfera de influência. Caso contrário, o “fim do Ocidente” pregado pelo Kremlin pode se tornar realidade.
Conteúdo original: https://www.bbc.com/news/articles/c2er9j83x0zo