O Sahel, região que abrange países como Mali, Burkina Faso e Níger, tornou-se o epicentro global da atividade jihadista. Em 2023, a região foi responsável por 26% dos ataques terroristas globais e 47% das mortes relacionadas ao terrorismo. Burkina Faso lidera o ranking de países mais afetados pelo terrorismo, seguido por Mali e Níger. Essa situação alarmante é resultado de insurgências jihadistas que se intensificaram desde 2017, com ataques e mortes triplicando desde 2021. Grupos como o Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), afiliado à al-Qaeda, e o Estado Islâmico na Província do Sahel (ISSP) controlam ou contestam grandes áreas, incluindo regiões próximas às capitais. Além disso, os ataques se espalharam para países costeiros como Benin, Togo e Costa do Marfim, ampliando a ameaça para toda a África Ocidental.
Origens da Crise
As insurgências jihadistas no Sahel têm raízes em tensões étnicas e governos fracos. A região é marcada por uma diversidade étnica que frequentemente gera conflitos, especialmente entre grupos como os Fulani (pastores nômades) e os Dogon e Mossi (agricultores). A marginalização histórica de grupos como os Fulani, combinada com a incapacidade dos governos de fornecer serviços básicos e segurança, criou um ambiente propício para a insurgência. Jihadistas exploram essas falhas, oferecendo segurança, justiça e serviços básicos em áreas onde o Estado está ausente.
A crise foi catalisada pelas guerras civis na Líbia (2011) e no Mali (2012). A queda de Muammar Kadafi na Líbia levou a uma proliferação de armas na região, enquanto a insurgência Tuareg no norte do Mali abriu espaço para grupos jihadistas estabelecerem um proto-califado. Embora uma intervenção militar francesa (Operação Serval) tenha expulsado os jihadistas das principais cidades em 2014, eles se reagruparam em áreas fronteiriças desgovernadas, onde continuaram a recrutar combatentes e financiar suas atividades por meio de contrabando, sequestros e resgates.
JNIM vs. ISSP: Duas Faces do Jihadismo no Sahel
Dois grupos dominam o cenário jihadista no Sahel: o JNIM, afiliado à al-Qaeda, e o ISSP, ligado ao Estado Islâmico. Ambos compartilham o objetivo de estabelecer um Estado islâmico na África Ocidental, mas diferem em táticas e abordagens. O JNIM adota uma estratégia localizada, buscando ganhar o apoio da população por meio de serviços e mediação de conflitos étnicos. Já o ISSP é mais agressivo, impondo uma interpretação maximalista da lei islâmica e usando táticas de medo, como execuções públicas.
A rivalidade entre os dois grupos tem levado a confrontos esporádicos, como a expulsão do JNIM da região de Menaka, no Mali, pelo ISSP em 2023. No entanto, ambos continuam a expandir suas atividades, com o JNIM predominando em Mali e Burkina Faso, e o ISSP no Níger.
Estratégia de Insurgência: Terrorismo como Tática
Ao contrário da percepção ocidental, os jihadistas no Sahel não são apenas terroristas, mas principalmente insurgentes que usam o terrorismo como tática. Seu objetivo principal é controlar território e governar, não apenas causar caos. Eles atacam forças de segurança para desgastá-las e forçar sua retirada, enquanto estabelecem sistemas de governança local, incluindo tribunais, escolas e serviços de saúde. Essa abordagem tem permitido que os jihadistas ganhem a lealdade de populações marginalizadas, que veem neles uma alternativa ao Estado ausente ou opressor.
Impacto e Significância
A escalada das insurgências representa uma ameaça existencial para Mali, Burkina Faso e Níger. Esses países já perderam o controle de grandes porções de seus territórios, e as capitais estão cada vez mais vulneráveis a ataques e cercos. A crise tem causado instabilidade política, com golpes militares em todos os três países, e levado a violações generalizadas de direitos humanos e deslocamentos forçados.
Além disso, a ameaça é transnacional. Grupos como o JNIM já expandiram suas atividades para países costeiros, como Benin e Togo, e têm recrutado combatentes em toda a África Ocidental. A presença de militantes estrangeiros no Sahel, muitos dos quais vêm de países com rotas de migração para a Europa, também representa um risco para a segurança internacional.
Estratégias de Contraterrorismo: Por Que Estão Fracassando?
Os governos do Sahel têm adotado estratégias de contraterrorismo baseadas em repressão e decapitação (eliminação de líderes jihadistas), mas negligenciado a contrainsurgência, que exige a conquista da população por meio de segurança e governança eficaz. No Mali, por exemplo, a dependência de milícias não regulamentadas e mercenários do Grupo Wagner levou a abusos generalizados contra civis, alimentando o recrutamento jihadista. Em Burkina Faso, a formação de milícias locais (VDP) trouxe algum alívio, mas a exclusão dos Fulani e a falta de supervisão minaram sua eficácia. O Níger, por sua vez, teve algum sucesso com negociações e programas de desmobilização, mas um golpe militar em 2023 reverteu esses avanços.
Recomendações para uma Nova Estratégia
Para reverter a crise, os governos do Sahel precisam adotar uma abordagem de contrainsurgência que priorize a segurança e a governança. Aqui estão cinco recomendações-chave:
- Operações de Limpeza e Manutenção de Território: Em vez de focar em ataques pontuais, os governos devem estabelecer uma presença permanente de forças de segurança em áreas vulneráveis, impedindo que os jihadistas se reagrupem.
- Cooperação Internacional: A formação de uma força militar conjunta entre Mali, Burkina Faso e Níger, com o apoio de parceiros regionais e internacionais, pode ampliar a capacidade de combate às insurgências.
- Melhoria da Governança: Os governos precisam expandir sua presença em áreas rurais, fornecendo serviços básicos e justiça para competir com a oferta dos jihadistas.
- Negociações e Desmobilização: Programas de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) devem ser implementados para atrair combatentes jihadistas de volta à sociedade.
- Fim dos Pagamentos de Resgate: O pagamento de resgates por sequestros é uma das principais fontes de financiamento dos jihadistas e deve ser interrompido.
Conclusão
A crise no Sahel é um desafio complexo que exige uma mudança radical na abordagem dos governos locais e da comunidade internacional. Estratégias de contraterrorismo focadas apenas em eliminar líderes jihadistas são insuficientes. Para derrotar as insurgências, é essencial conquistar a população por meio de segurança, governança e desenvolvimento. Caso contrário, a região continuará a ser um epicentro de instabilidade, com implicações cada vez mais graves para a África Ocidental e o mundo.
*Texto adaptado do conteúdo original disponível em: https://www.fpri.org/article/2025/03/counterterrorism-shortcomings-in-mali-burkina-faso-and-niger/