O Príncipe Negro na Batalha de Poitiers

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Eduardo de Woodstock, conhecido como Príncipe Negro (1330-1376), por causa de sua armadura toda negra, era o filho mais velho do rei Eduardo III e herdeiro aparente do trono da Inglaterra. Eduardo era o modelo em pessoa da cavalaria e tudo que ela representava: religioso, piedoso, um líder nato, grande guerreiro e um general muito competente, mas também impiedoso, muitas vezes cruel e vingativo. Vamos contar a história de sua vitória na Batalha de Poitiers.

Antecedentes

Em 6 de julho de 1356, Eduardo, de Woodstock, o Príncipe Negro, 1º Duque da Cornualha, partiu em uma expedição pela França com o objetivo de atravessar a Gasconha até a Normandia, e ali ajudar os aliados normandos de seu pai Eduardo III.

Em 4 de agosto, o exército anglo-gascão cruzou o Dordogne em Bergerac, cavalgou por Auvergne, Limousin e Berry, saqueando e queimando até chegar a Bourges, onde queimou os subúrbios, mas não conseguiu tomar a cidade.

Entre 25 e 27 de agosto,  O Príncipe Negro seguiu para o oeste e fez um ataque malsucedido a Issoudun. Enquanto isso, o rei João II reunia em Chartres uma grande força. De Chartres podia defender as passagens do Loire, e enviar tropas para as fortalezas ameaçadas de ataque, além de impedir a junção das forças do Príncipe Nego com Lancaster. De Issoudun, o príncipe Eduardo retomou a marcha e tomou Vierzon. Lá soube que seria impossível cruzar o rio Loire ou se reunir com as forças de Lancaster, que estava na Bretanha. Assim, ele decidiu retornar a Bordeaux, passando por Poitiers. Antes atacou o castelo de Vierzon eliminando a maior parte da guarnição. em 29 de agosto, seguiu em direção a Romorantin.

Alguns cavaleiros franceses que lutaram contra a guarda avançada inglesa recuaram para Romorantin. quando o príncipe Eduardo soube disso, resolveu tomar a fortaleza pessoalmente e enviou um emissário para negociar a rendição. O local era defendido por Boucicault, que  recusou se render. Eduardo atacou em 31 de agosto, o cerco durou três dias, e o príncipe, enfurecido com a morte de um de seus amigos, declarou que não deixaria o local sem ser tomado. Em 3 de setembro, Eduardo determinou que os telhados da fortaleza fossem incendiados utilizando fogo grego.

Em 5 de setembro, os ingleses marcharam por Berry. Em 9 de setembro, o rei João II, que já havia reunido uma grande força, cruzou o rio Loire em Blois e o perseguiu. Em 12 de setembro, o rei João II chegou a Loches, com um exército em torno de 20 mil homens e com outras forças, de lá avançou para Chauvigny.

Em 16 e 17 de setembro, o exército francês cruzou o rio Vienne. A partir de então, as forças anglo-gascões marchavam quase em paralelo aos franceses, com a distância de apenas alguns quilômetros entre os dois exércitos. O Príncipe Negro, provavelmente, o mantinha sob vigilância.

No dia 17 de setembro, enquanto os ingleses marchavam em direção a Poitiers, alguns cavaleiros franceses lutaram com a guarda avançada inglesa, perseguindo-os até o corpo principal de seu exército inglês, o combate resultou na morte de alguns cavaleiros, enquanto outros feitos prisioneiros.

Os exércitos

O exército do rei françês tinha, segundo algumas fontes, algo em torno de 35 mil a 50 mil homens. O exército anglo-gascão é geralmente considerado pelos historiadores modernos como tendo consistido de 6.000 homens: 3.000 homens de armas, 2.000 arqueiros ingleses e galeses e 1.000 infantaria gascão. Todos os anglo-gascões viajaram a cavalo, mas todos ou quase todos desmontaram para lutar.

Ambos os lados em Poitiers tinham cavalaria pesada de cavaleiros medievais e infantaria, mas seria o arco longo inglês que mais uma vez provou ser a arma mais devastadora no campo de batalha medieval. Esses arcos longos mediam cerca de 1,5 a 1,8 metros de comprimento e eram geralmente feitos de teixo e amarrados com cânhamo. As flechas, capazes de perfurar armaduras, tinham cerca de 83 cm de comprimento e eram feitas de freixo e carvalho para dar maior peso. Um arqueiro habilidoso poderia disparar flechas a uma taxa de 15 por minuto ou uma a cada quatro segundos. O exército inglês também incluía um contingente de arqueiros montados que podiam perseguir um inimigo em retirada ou ser posicionados rapidamente onde eram mais necessários no campo de batalha.

Em termos de infantaria, os homens de armas mais bem equipados usavam armaduras de placas de ferro, cotas de anilhas de ferro, tecidos reforçados ou couro reforçado com tiras de metal. A infantaria comum, geralmente mantida na reserva até que a cavalaria entrasse em confronto, tinha pouca ou nenhuma armadura e empunhava armas como lanças, lanças, machados e ferramentas agrícolas modificadas.

Os franceses, embora tivessem alguns arqueiros, continuaram a contar com besteiros, pois disparar uma besta exigia menos treinamento para usar, mas a arma tinha uma taxa de tiro muito mais lenta do que o arco longo, na proporção de 5 para 1 em favor do arco longo. Resumindo, os franceses enfrentaram a mesma ameaça de Crécy, mas ainda não tinham uma resposta efetiva para ela. Pior ainda, apesar do novo rei, João II, ser um bravo guerreiro, exerceu a mesma liderança confusa no calor da batalha.

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A estratégia

O exército anglo-gascão estava equilibrado, homens de armas (infantaria pesada, mas que se deslocava a cavalo e combatia a pé), infantaria leve e arqueiros. Embora não houvesse grandes forças francesas enfrentando-os, eles se espalharam para saquear a terra. O Príncipe Negro tinha como objetivo principal usar a ameaça de devastação para forçar, ou talvez persuadir, o exército francês a atacá-los. Os anglo-gascões estavam confiantes de que lutando defensivamente no terreno de sua escolha, eles poderiam derrotar uma força francesa numericamente superior. No caso de os franceses serem muito numerosos, eles acreditavam que poderiam evitar a batalha por meio de manobras.

Os franceses estavam conscientes dessa estratégia inglesa, geralmente tentavam isolar as forças inglesas contra um rio ou mar, onde a ameaça de fome os forçaria a tomar a ofensiva tática e atacar os franceses em uma posição preparada. Depois de cruzar o Loire, o rei João II repetidamente tentou interpor seu exército entre os anglo-gascões e a Gasconha, para que fossem forçados a tentar lutar para escapar. Enquanto isso, o Príncipe Negro não desejava recuar rapidamente para a segurança da Gasconha, mas manobrar nas proximidades do exército francês para persuadi-lo a atacar em condições desfavoráveis, sem ser isolado. Eduardo sabia que João II estava ansioso para lutar contra a força de Lancaster na Normandia em junho e previu que esse entusiasmo pela batalha continuaria levando a ser imprudente.

A batalha

Quando o príncipe Eduardo soube que o exército francês estava entre ele e Poitiers, verificou que o terreno onde sua força estava era constituído vinhedos, bosques, sebes e pântanos, muito parecido com o de Crécy, Eduardo ordenou que suas tropas ocupassem uma pequena colina protegida na retaguarda por um bosque e na frente por sebes e pântano. Essa elevação ficava a sudeste da cidade, entre a margem direita do Miausson e a antiga estrada romana, provavelmente em um local agora chamado La Cardinerie, uma fazenda na comuna de Beauvoir. Depois de instalados, os ingleses permaneceram lá naquela noite. A escolha do terreno foi estratégica, pois os franceses teriam que estreitar suas linhas de batalha e atacar morro acima, cansando seus cavalos e homens de armas, anulando sua vantagem numérica.

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No dia 18 de setembro, um domingo, o cardeal Hélie Talleyrand foi enviado por D. João II para negociar com os ingleses. O Príncipe Eduardo estava disposto a chegar a um acordo e se ofereceu para desistir de todas as cidades e castelos que havia conquistado, libertar todos os seus prisioneiros, não lutar contra o rei da França por sete anos e ofereceu um pagamento de cem mil francos. D. João, porém, foi persuadido a exigir que o príncipe e uma centena de seus cavaleiros se entregassem como prisioneiros. Eduardo, de Woodstock não aceitou.

As negociações do cardeal duraram o dia inteiro e foram prolongadas por interesse dos franceses, pois D. João II estava ansioso para receber mais reforços. Considerando a posição em que o príncipe estava, parece provável que os franceses acreditavam que poderiam destruir o pequeno exército anglo-gascão simplesmente cercando-o com uma parte de seu exército e, assim, matando-o de fome ou forçando-o a deixar sua forte posição e lutar em campo aberto, onde certamente seria derrotado.

Enquanto as negociações avançavam, Eduardo fortaleceu sua posição. A frente inglesa estava bem coberta por vinhas e sebes; à sua esquerda e atrás estava a ravina do Miausson e uma boa porção de terreno acidentado, e sua direita era flanqueada pelo bosque e abadia de Nouaillé. Durante todo o dia, o exército inglês cavou trincheiras e fez cercas, de modo que permaneceu, como em Crécy, em uma espécie de acampamento entrincheirado.

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O príncipe Eduardo organizou seus homens em três linhas, estas organizadas em divisões, sendo a primeira comandada pelos condes de Warwick e Suffolk, a segunda por ele mesmo e a retaguarda por Salisbury e Oxford. Os franceses foram divididos em quatro linhas, uma atrás da outra, e assim perderam muito da sua vantagem numérica. À frente de sua primeira linha e em ambos os lados do estreito caminho que conduzia à sua posição, o Príncipe Negro posicionou seus arqueiros, que estavam bem protegidos por cercas vivas, e colocou uma espécie de emboscada de trezentos homens de infantria pesada e trezentos cavaleiros. Os arqueiros, posicionados nos flacos da primeira linha de batalha, deveriam atirar suas flechas no flanco da segunda linha de batalha do inimigo, comandada pelo Delfim Carlos, duque da Normandia.

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A batalha começou por volta das 8 horas do dia 19 de setembro. Como em Crécy, os comandantes franceses mostraram-se indisciplinados e obstinados, impossibilitando qualquer tipo de movimento tático das tropas. Várias cargas da cavalaria francesa, muitas vezes descoordenadas entre os comandantes, foram interrompidas pelas linhas defensivas dos ingleses, dispostas nas habituais três divisões (duas na frente e uma na retaguarda), e o terreno pontilhado por cercas vivas espessas. Uma retirada fingida liderada pelo conde de Warwick tentou atrair outro ataque de cavalaria francesa, enquanto o Buch, o capitão das tropas gasconhas, corria para a retaguarda dos franceses, causando ainda mais confusão. Sir Geoffrey, de Chargny, o porta-estandarte da bandeira francesa, acenaram com a Oriflamme – um sinal para não dar trégua – foi abatido quando a batalha se transformou em um violento combate corpo a corpo.

Cerca de trezentos cavaleiros franceses fizeram uma carga pelo caminho estreito a fim de forçar a posição inglesa, mas foram abatidos pelos arqueiros. Um corpo de alemães e a primeira linha do exército francês foram lançados em desordem; então a força inglesa em emboscada atacou a segunda linha no flanco e, quando ela começou a vacilar, os homens de armas ingleses montaram em seus cavalos, que haviam mantido perto deles, e desceram a colina. O príncipe Eduardo comandou a carga de cavalaria contra o flanco esquerdo da segunda linha de batalha francesa.

Além de serem repetidamente superados, mais uma vez os franceses não conseguiram encontrar uma resposta para o alcance, potência e precisão do arco longo inglês. Outra tática inglesa era fazer com que os cavaleiros lutassem a pé para obter maior mobilidade no terreno confinado. Os franceses seguiram o exemplo, com o próprio rei João liderando seus homens a pé, mas então a reserva de cavalaria inglesa desferiu o golpe de misericórdia e venceu o dia.

A linha de batalha do duque da Normandia, já vacilante, não resistiu ao ataque inglês e fugiu em desordem. A linha seguinte, sob o comando de Filipe, duque de Orléans, também fugiu. Na última linha, a retaguarda, sob o comando do próprio rei  D. João II lutava com muita bravura.

O combate durou até pouco depois das 15 horas, e os franceses foram totalmente derrotados, deixando cerca de onze mil mortos em campo, dos quais 2.426 eram homens de origem nobre. Já os ingleses não temos um número do número de baixas confiável. O rei, seu filho mais novo Filipe (Duque de Orléans), quase cem condes e barões, estandartes e dois mil homens de armas, entre muitos outros, foram feitos prisioneiros.

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O próprio João II foi capturado, tendo o rei se rendido ao dar sua luva direita a Sir Denis de Morbecque e depois assegurar aos vencedores que ele buscaria um bom resgate. De fato, a captura de tanto nobres abria a perspectiva de um enorme potencial de resgates em dinheiro, sendo que o resgate do rei foi estipulado em 4 milhões de écus de ouro (o triplo do resgate de David II da Escócia, outro rei cativo mantido por Eduardo III). Tão grande era essa figura que João foi libertado para levantar o resgate em seu reino, enquanto seu filho Louis era mantido como refém em Calais. Quando Luís escapou, o rei João se entregou voluntariamente para prisão, tais eram as regras não escritas da cavalaria medieval.

No dia seguinte, o Príncipe Negro continuou sua marcha para Bordeaux, onde permaneceu durante o inverno.

Em 23 de março de 1357, o Príncipe Negro concluiu uma trégua de dois anos, pois desejava voltar para casa. Os senhores gascões não queriam que D. João II fosse levado para a Inglaterra, e o príncipe deu-lhes cem mil coroas de suborno. Eduardo deixou o país sob o governo de quatro senhores gascões.

O rei francês foi escoltado por Eduardo até Bordéus e depois para Inglaterra onde teria de esperar quatro longos anos pela sua libertação da Torre de Londres. O príncipe também ganhou reputação de generosidade entre seus próprios seguidores leais, um dos elementos-chave da cavalaria medieval, distribuindo ouro e títulos para seus comandantes, bem como doando generosamente para igrejas como a Catedral de Canterbury. Havia tesouros em abundância para todos entre os vencedores, e dizia-se que, depois de Poitiers, todas as mulheres na Inglaterra tinham um bracelete ou berloque ganho dos franceses

Em 24 de maio, Eduardo, de Woodstock entrou em Londres com o rei D. João II, seu prisioneiro, cavalgando em um belo cavalo branco, enquanto ele estava montado numa pequena carruagem preta, numa demonstração de humildade.

O Príncipe Negro ganhou ainda mais distinção por seu tratamento cavalheiresco para com seu prisioneiro, elogiando-o por seu desempenho na batalha e servindo-lhe sua comida pessoalmente no luxuoso banquete oferecido para brindar a maior das vitórias da Inglaterra.

Consequências

Depois de Poitiers, a França, sem seus líderes, caiu no caos. O rei inglês Eduardo III aproveitou o momento e marchou para Reims (1359), onde seus monarcas eram tradicionalmente coroados, com a intenção de se tornar rei dos franceses. Mas Rheims provou ser inexpugnável e um inverno rigoroso reduziu tanto o exército que Eduardo III foi obrigado a iniciar negociações de paz. Em maio de 1360, foi assinado o tratado de paz de Tratado de Brétigny.

Em 1362, o Príncipe Eduardo foi nomeado Príncipe da Aquitânia por seu pai. A guerra com a França, porém, estava prestes a piorar quando Eduardo III enfrentou seu terceiro rei francês: Carlos V, também conhecido como Carlos, o Sábio (1364-1380). Este rei provou muito mais capaz que seus antecessores. Carlos começou a recuperar o território que seus antecessores haviam perdido, para tanto mudou a estratégia militar francesa: evitava a batalha aberta, concentrava-se no assédio e se refugiava em seus castelos, quando necessário.

Mas isso é assunto para um novo ensaio…

Imagem de Destaque: A Batalha de Poitiers, por Eugene Delacroix, 1830. – https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Poitiers#/media/File:Battle_poitiers.jpg

Fontes

https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Poitiers

https://en.wikipedia.org/wiki/Edward_the_Black_Prince#Battle_of_Poitiers

https://www.britannica.com/event/Battle-of-Poitiers-French-history-1356

Battle of Poitiers

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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