Por que é hora de reconsiderar um Exército Europeu?

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O cenário geopolítico do século XXI está em rápida transformação, e a Europa se encontra em uma encruzilhada. Com os Estados Unidos cada vez mais voltados para a Ásia, a guerra da Rússia na Ucrânia expondo vulnerabilidades e o fantasma de uma estratégia de defesa fragmentada, a ideia de um exército europeu — há muito descartada como uma fantasia utópica — ressurgiu como uma necessidade pragmática. Este artigo examina por que a Europa deve reconsiderar urgentemente uma força militar unificada, os desafios estruturais e políticos envolvidos e um caminho viável para avançar.


Os Catalisadores para a Mudança

  1. O Recuo dos Estados Unidos:
    O compromisso histórico dos EUA com a OTAN já não é garantido. A doutrina “America First”, o cansaço bipartidário com envolvimentos externos e a guinada estratégica para conter a China no Indo-Pacífico deixaram a Europa questionando sua dependência das garantias de segurança americanas. A guerra na Ucrânia acelerou essa reflexão. Embora o apoio dos EUA permaneça crítico, os líderes europeus reconhecem que as prioridades de Washington estão em outro lugar.
  2. A Ameaça Revanchista da Rússia:
    A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin destruiu a ilusão pós-Guerra Fria de estabilidade europeia. Apesar dos revezes militares russos, suas ambições imperiais persistem, e um conflito prolongado ameaça esgotar a determinação ocidental. Uma estratégia de defesa europeia coerente é essencial para dissuadir novas agressões, especialmente se o apoio americano diminuir.
  3. Autonomia Estratégica como Imperativo:
    A União Europeia aspira ser um ator global, mas sua dependência da OTAN e de militares nacionais desconexos mina sua influência geopolítica. Do Sahel ao Indo-Pacífico, as crises exigem uma resposta unificada — algo que um exército europeu poderia fornecer, fortalecendo a credibilidade da UE na diplomacia e no gerenciamento de crises.

Os Argumentos a Favor de um Exército Europeu

  1. Fim da Fragmentação:
    O cenário de defesa europeu é um mosaico de 27 militares nacionais, capacidades duplicadas e prioridades conflitantes. A UE gasta coletivamente US$ 338 bilhões anualmente em defesa — quase o triplo do orçamento russo —, mas ainda luta para projetar poder de forma coesa. Uma força unificada racionalizaria gastos, eliminaria redundâncias (como 17 tipos de tanques de guerra) e priorizaria capacidades críticas, como defesa aérea, guerra cibernética e logística.
  2. Coesão Operacional:
    Coalizões improvisadas, como a Força-Tarefa Takuba liderada pela França no Sahel, destacam o potencial das operações integradas. Uma força permanente da UE institucionalizaria essa colaboração, garantindo implantação rápida em crises sem depender de logística americana ou aprovação política dos EUA.
  3. Dissuasão por Meio da Unidade:
    Um exército europeu sinalizaria determinação a adversários como a Rússia. Ao unir recursos, a UE poderia modernizar seu arsenal, investir em tecnologias de próxima geração (IA, drones) e manter um dissuasor crível — reduzindo o risco de conflito por meio da força, não de retórica vazia.

Desafios e Obstáculos

  1. Soberania Nacional vs. Integração:
    Países como França e Polônia relutam em ceder controle sobre suas forças armadas, vistas como símbolos de soberania. A criação de um comando europeu exigiria confiança mútua e compromisso político, algo difícil em um continente com histórias e interesses divergentes.
  2. Convivência com a OTAN:
    Um exército europeu não pode substituir a OTAN, mas deve complementá-la. A UE precisará equilibrar sua relação com a aliança transatlântica, garantindo que iniciativas como um quartel-general europeu não criem duplicações ou tensões com Washington.
  3. Financiamento e Burocracia:
    A UE carece de mecanismos para impor metas de gastos em defesa. Países como Itália e Espanha, que gastam menos de 2% do PIB em defesa, precisariam aumentar investimentos. Além disso, a burocracia da UE, lenta e fragmentada, dificultaria a criação de uma estrutura de comando ágil.

Um Caminho Viável: Força Híbrida e Integração Gradual

  1. Espinha Dorsal Nacional:
    Exércitos fortes (França, Alemanha, Polônia) formariam a base, com interoperabilidade reforçada por meio de treinamentos conjuntos e aquisições compartilhadas. A Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) deve ser expandida para projetos críticos, como defesa antimíssil.
  2. Força de Reação Rápida da UE:
    Uma força permanente de 60.000 soldados, recrutada diretamente pela UE, poderia atuar em crises regionais. Recrutas de países dos Bálcãs ou regiões mais pobres receberiam cidadania europeia, fortalecendo o vínculo com o projeto comum.
  3. Comando Unificado e Capacidades Compartilhadas:
    Um quartel-general europeu, integrado à OTAN mas autônomo, coordenaria operações. A UE investiria em capacidades estratégicas, como transporte aéreo e inteligência artificial, reduzindo a dependência de sistemas americanos.
  4. Pressão Fiscal e Incentivos:
    A UE poderia vincular fundos de coesão a metas de defesa, penalizando países que não cumprirem gastos mínimos. Países menores poderiam contribuir com tropas para uma “Guarda Nacional Europeia”, focada em crises internas.

Conclusão: O Momento é Agora

A guerra na Ucrânia é um alerta: a Europa não pode mais adiar a construção de uma defesa autônoma. Enquanto a OTAN permanece vital, a dependência excessiva dos EUA é um risco estratégico inaceitável. Um exército europeu não precisa ser uma força monolítica, mas sim um projeto híbrido que combine soberania nacional com integração pragmática.

Os desafios são imensos — políticos, burocráticos, financeiros —, mas a alternativa é uma Europa frágil, à mercê de potências revisionistas e de um aliado americano em retirada. Como escreveu o analista Max Bergmann, “o tempo para começar é agora”. A Europa deve escolher entre ser espectadora de seu próprio declínio ou arquiteta de seu destino. A segurança de seu futuro depende dessa escolha.

*Max Bergmann é diretor do Programa Europa, Rússia e Eurásia e do Centro Stuart em Estudos Euro-Atlânticos e do Norte da Europa no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, D.C.

Conteúdo original: https://www.csis.org/analysis/why-its-time-reconsider-european-army

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