O cenário geopolítico do século XXI está em rápida transformação, e a Europa se encontra em uma encruzilhada. Com os Estados Unidos cada vez mais voltados para a Ásia, a guerra da Rússia na Ucrânia expondo vulnerabilidades e o fantasma de uma estratégia de defesa fragmentada, a ideia de um exército europeu — há muito descartada como uma fantasia utópica — ressurgiu como uma necessidade pragmática. Este artigo examina por que a Europa deve reconsiderar urgentemente uma força militar unificada, os desafios estruturais e políticos envolvidos e um caminho viável para avançar.
Os Catalisadores para a Mudança
- O Recuo dos Estados Unidos:
O compromisso histórico dos EUA com a OTAN já não é garantido. A doutrina “America First”, o cansaço bipartidário com envolvimentos externos e a guinada estratégica para conter a China no Indo-Pacífico deixaram a Europa questionando sua dependência das garantias de segurança americanas. A guerra na Ucrânia acelerou essa reflexão. Embora o apoio dos EUA permaneça crítico, os líderes europeus reconhecem que as prioridades de Washington estão em outro lugar. - A Ameaça Revanchista da Rússia:
A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin destruiu a ilusão pós-Guerra Fria de estabilidade europeia. Apesar dos revezes militares russos, suas ambições imperiais persistem, e um conflito prolongado ameaça esgotar a determinação ocidental. Uma estratégia de defesa europeia coerente é essencial para dissuadir novas agressões, especialmente se o apoio americano diminuir. - Autonomia Estratégica como Imperativo:
A União Europeia aspira ser um ator global, mas sua dependência da OTAN e de militares nacionais desconexos mina sua influência geopolítica. Do Sahel ao Indo-Pacífico, as crises exigem uma resposta unificada — algo que um exército europeu poderia fornecer, fortalecendo a credibilidade da UE na diplomacia e no gerenciamento de crises.
Os Argumentos a Favor de um Exército Europeu
- Fim da Fragmentação:
O cenário de defesa europeu é um mosaico de 27 militares nacionais, capacidades duplicadas e prioridades conflitantes. A UE gasta coletivamente US$ 338 bilhões anualmente em defesa — quase o triplo do orçamento russo —, mas ainda luta para projetar poder de forma coesa. Uma força unificada racionalizaria gastos, eliminaria redundâncias (como 17 tipos de tanques de guerra) e priorizaria capacidades críticas, como defesa aérea, guerra cibernética e logística. - Coesão Operacional:
Coalizões improvisadas, como a Força-Tarefa Takuba liderada pela França no Sahel, destacam o potencial das operações integradas. Uma força permanente da UE institucionalizaria essa colaboração, garantindo implantação rápida em crises sem depender de logística americana ou aprovação política dos EUA. - Dissuasão por Meio da Unidade:
Um exército europeu sinalizaria determinação a adversários como a Rússia. Ao unir recursos, a UE poderia modernizar seu arsenal, investir em tecnologias de próxima geração (IA, drones) e manter um dissuasor crível — reduzindo o risco de conflito por meio da força, não de retórica vazia.
Desafios e Obstáculos
- Soberania Nacional vs. Integração:
Países como França e Polônia relutam em ceder controle sobre suas forças armadas, vistas como símbolos de soberania. A criação de um comando europeu exigiria confiança mútua e compromisso político, algo difícil em um continente com histórias e interesses divergentes. - Convivência com a OTAN:
Um exército europeu não pode substituir a OTAN, mas deve complementá-la. A UE precisará equilibrar sua relação com a aliança transatlântica, garantindo que iniciativas como um quartel-general europeu não criem duplicações ou tensões com Washington. - Financiamento e Burocracia:
A UE carece de mecanismos para impor metas de gastos em defesa. Países como Itália e Espanha, que gastam menos de 2% do PIB em defesa, precisariam aumentar investimentos. Além disso, a burocracia da UE, lenta e fragmentada, dificultaria a criação de uma estrutura de comando ágil.
Um Caminho Viável: Força Híbrida e Integração Gradual
- Espinha Dorsal Nacional:
Exércitos fortes (França, Alemanha, Polônia) formariam a base, com interoperabilidade reforçada por meio de treinamentos conjuntos e aquisições compartilhadas. A Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) deve ser expandida para projetos críticos, como defesa antimíssil. - Força de Reação Rápida da UE:
Uma força permanente de 60.000 soldados, recrutada diretamente pela UE, poderia atuar em crises regionais. Recrutas de países dos Bálcãs ou regiões mais pobres receberiam cidadania europeia, fortalecendo o vínculo com o projeto comum. - Comando Unificado e Capacidades Compartilhadas:
Um quartel-general europeu, integrado à OTAN mas autônomo, coordenaria operações. A UE investiria em capacidades estratégicas, como transporte aéreo e inteligência artificial, reduzindo a dependência de sistemas americanos. - Pressão Fiscal e Incentivos:
A UE poderia vincular fundos de coesão a metas de defesa, penalizando países que não cumprirem gastos mínimos. Países menores poderiam contribuir com tropas para uma “Guarda Nacional Europeia”, focada em crises internas.
Conclusão: O Momento é Agora
A guerra na Ucrânia é um alerta: a Europa não pode mais adiar a construção de uma defesa autônoma. Enquanto a OTAN permanece vital, a dependência excessiva dos EUA é um risco estratégico inaceitável. Um exército europeu não precisa ser uma força monolítica, mas sim um projeto híbrido que combine soberania nacional com integração pragmática.
Os desafios são imensos — políticos, burocráticos, financeiros —, mas a alternativa é uma Europa frágil, à mercê de potências revisionistas e de um aliado americano em retirada. Como escreveu o analista Max Bergmann, “o tempo para começar é agora”. A Europa deve escolher entre ser espectadora de seu próprio declínio ou arquiteta de seu destino. A segurança de seu futuro depende dessa escolha.
*Max Bergmann é diretor do Programa Europa, Rússia e Eurásia e do Centro Stuart em Estudos Euro-Atlânticos e do Norte da Europa no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, D.C.
Conteúdo original: https://www.csis.org/analysis/why-its-time-reconsider-european-army