Em recente artigo publicado no portal CSIS (Center for Strategic & International Studies), o pesquisador Max Bergmann levantou uma questão que há muito tem gerado discussão: a ideia de um exército europeu comum. Tese essa que tem sido discutida desde os primórdios do projeto europeu, durante a Guerra Fria. Na década de 1950, a administração Eisenhower chegou a convencer líderes europeus a considerar a criação de uma força militar unificada, mas a proposta foi rejeitada pelo parlamento francês. Desde então, o conceito ressurgiu periodicamente, especialmente com a formação da União Europeia (UE) nos anos 1990, mas sempre enfrentou resistência, principalmente dos Estados Unidos, que preferiam manter a OTAN como a principal aliança de defesa do continente.
Hoje, no entanto, o cenário mudou. A relutância dos EUA em continuar como o garantidor da segurança europeia, combinada com a crescente ameaça da Rússia, torna imperativo que a Europa reavalie seriamente a criação de uma força militar comum. A dependência europeia da proteção americana não é mais sustentável, e a fragmentação atual das forças de defesa europeias — compostas por mais de 25 exércitos nacionais — é ineficiente e inadequada para enfrentar os desafios contemporâneos.
Por Que um Exército Europeu Comum?
- Fim da Garantia de Segurança Americana:
Os EUA, historicamente o maior oponente a uma defesa europeia integrada, estão cada vez mais focados em desafios na Ásia e menos dispostos a investir na segurança da Europa. Essa mudança de postura deixa o continente vulnerável e expõe a necessidade de autonomia estratégica. - Fragmentação e Ineficiência:
A Europa gasta coletivamente cerca de US$ 338 bilhões por ano em defesa, mas sua capacidade militar é muito menor do que a soma de suas partes. A falta de padronização de equipamentos, doutrinas e treinamento entre os exércitos nacionais cria duplicação de esforços e desperdício de recursos. - Ameaça Russa:
A guerra na Ucrânia destacou a necessidade de uma resposta europeia coesa e eficaz. Embora a Rússia tenha sido enfraquecida pelo conflito, sua capacidade de ameaçar a Europa permanece, especialmente se os EUA reduzirem seu apoio à Ucrânia.
Uma Proposta para uma Força Europeia Comum
A criação de um exército europeu comum não significa a dissolução dos exércitos nacionais, mas sim a integração de esforços para formar uma força mais coesa e eficiente. Aqui estão os pilares de uma proposta viável:
- Fortalecimento das Forças Nacionais Principais:
As principais potências militares europeias — como França, Alemanha, Polônia e os países nórdicos — devem formar a espinha dorsal da defesa europeia. Esses países já possuem forças robustas e devem trabalhar para aumentar a interoperabilidade, padronizando equipamentos e intensificando treinamentos conjuntos. - Criação de uma Força Permanente da UE:
A UE deve estabelecer uma força militar permanente, semelhante aos “fuzileiros navais da UE”, composta por recrutas de toda a Europa. Essa força poderia ser financiada coletivamente e operar sob um comando unificado. A língua franca seria o inglês, e o treinamento poderia ser baseado nas doutrinas de um dos principais exércitos nacionais. - Integração de Forças Menores:
Países menores, cujos exércitos nacionais contribuem pouco para a defesa coletiva, poderiam optar por integrar suas forças à estrutura europeia. Em troca, esses países reduziriam seus gastos militares individuais, transformando seus exércitos em forças de reserva ou guardas nacionais. - Comando Unificado:
A UE deve desenvolver uma estrutura de comando independente, capaz de coordenar tanto a força europeia comum quanto os exércitos nacionais. Esse comando poderia ser integrado à OTAN, mas também teria autonomia para agir caso os EUA ou outros membros da OTAN se recusem a cooperar. - Capacidades Integradas:
A UE deve investir em capacidades críticas, como transporte aéreo, reabastecimento em voo, inteligência e sistemas de comando e controle. Esses recursos, tradicionalmente fornecidos pelos EUA, são essenciais para operações militares eficazes.
Desafios e Soluções
- Controle Civil:
A força europeia comum estaria sob o controle do Conselho Europeu, garantindo supervisão política e legitimidade democrática. - Base Legal:
A criação de uma força europeia não exigiria mudanças nos tratados da UE. O Artigo 42.7 do Tratado da União Europeia já prevê que os Estados-membros usem “todos os meios ao seu alcance” para ajudar um membro vítima de agressão armada. - Países Neutros:
Países como Irlanda, Áustria e Malta, que se declaram neutros, poderiam ser convidados a apoiar a força europeia de forma simbólica, sem participar diretamente de operações militares.
Conclusão
A criação de um exército europeu comum não é mais uma utopia, mas uma necessidade urgente. A Europa não pode mais depender dos EUA para sua segurança e deve assumir a responsabilidade por sua própria defesa. Embora haja desafios significativos — burocráticos, políticos e logísticos — a integração das forças militares europeias é essencial para garantir a segurança e a estabilidade do continente.
A proposta de uma força europeia comum não substitui a OTAN, mas fortalece a capacidade da Europa de agir de forma independente quando necessário. Ao unir recursos, padronizar equipamentos e criar uma estrutura de comando coesa, a Europa pode se tornar um ator estratégico global, capaz de defender seus interesses e valores em um mundo cada vez mais volátil.
O momento de agir é agora. A Europa não pode mais adiar a construção de uma defesa comum. O futuro da segurança europeia depende disso.
*Max Bergmann é diretor do Programa Europa, Rússia e Eurásia e do Centro Stuart em Estudos Euro-Atlânticos e do Norte da Europa no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, D.C.
Conteúdo original: https://www.csis.org